sexta-feira, 17 de abril de 2020









                                                                                      Imagem 2:  Mãe Gisele Omindarewá

             Imagem1: Seu João Engomador


Pai/Mãe DE SANTO ou Zelador/a?

Talvez inspirados no Reverendo Bàbálawo Prof. Agenor Miranda (1907-2004), inclusive há um vídeo em circulação pública no qual ele defende veemente a ideia de que se troque o título Pai/Mãe DE SANTO por Zelador/a. É muito comum as pessoas de candomblé, de certas regiões do país, adotarem a indicação do Prof. Agenor. É indiscutível para nossa tradição que Prof. Agenor é uma lenda, assim como Mestre Didi (1917-2013). Contudo, analise-se etimologicamente as referências desses termos em algumas líguas africanas legadas no candomblé, além de nos empreendermos em seu contexto histórico.

Em iorubá, língua utilizada nos candomblés nagôs e ketu, Pai de Santo se diz: Bàbálorixá, no qual Bàbá significa Pai e lorixá literalmente significa força da cabeça , entendido como Santo para o povo dessa nação de candomblé: orixá. O mesmo se aplica ao termo Mãe de Santo. Assim, se tem Ìyálorixá, na qual a palavra Ìyá signfica mãe e lorixá igualmente a explicação anterior. E não para por aí, pois há outros cargos que seguem uma ordem semelhante: Bàbákekere (Pai Pequeno) e Ìyákekere (Mãe Pequena), Bàbáegbé (Pai da comunidade), Ìyálaxé e Bàbálaxé, Bàbáefun e Ìyáefun.

O candomblé Jeje apresenta uma complexidade em relação aos termos Pai e Mãe de Santo. O termo genérico é Hùngbónò etimologicamente Hùn significa vodun, espírito e, por equivalência à língua portuguesa, Santo. O termo  significa mãe, filologicamente em lato sensu, aquele que gera incluindo, por conseguinte, o sentido pai ao vocábulo. O termo médio gbó refere-se à maioridade, à sabedoria pela experiência de vida, pois em África indica a senilidade, a maturidade de uma pessoa. Portanto, inexiste hùngbónà cuja terminação, neste caso, é uma associação daquele termo fon com a desinência de indicação de gênero feminino segundo a gramática de língua portuguesa que em sua maioria grafa com a letra a, menino versus menina.

Após explicação do termo genérico tradicional do candomblé Jeje Mahin, passe-se aos termos específicos. É o caso de Dotέ para os sacerdotes que não são iniciados para algum vodun da família de Gbέsén (Dan). O termo feminino correspondente é Donέ. Ao sacerdote ou à sacerdotisa iniciado para algun vodun da família de Gbέsén dá-se o termo de Mεjitɔ̀. Sua explicação etimológica é mε: pessoa  : gerar, originar e tɔ̀: aquele/a. Assim, literalmente: aquele/a pessoa que gera ou aquele/a que gera pessoa, por extensão, o pai ou a mãe geradora e ainda, o pai ou mãe gerador de pessoa ligado à água, já que jì indica chuva como na explicação entre Ji-vodun e Toy-vodun. Por fim, o termo exclusivamente feminino no Brasil para sacerdotisas que se tornou genérico semelhante ao Dotέ é  Gayaku. Este termo é usado exclusivamente para as sacerdotisas Jeje Mahin no Brasil.

Há que se entender que DE-SANTO é um qualificador, um adjetivo. Se diz: Pai/Mãe DE-SANTO para qualificar o substantivo e sua relação. Por exemplo: Pai/Mãe biológico, adotivo, DE-SANTO, etc. e ainda Casa DE-SANTO, quarto DE-SANTO, roça DE-SANTO, roupa DE-SANTO, comida DE-SANTO, filho DE-SANTO, irmão DE-SANTO, família DE-SANTO, povo DE-SANTO, ferramenta DE-SANTO, festa DE-SANTO, língua DE-SANTO, a vida DE ou no SANTO, etc. Portanto, foi uma interpretação equivocada da preposição de, que tem vários sentidos na gramática da língua portuguesa que foram ignorados e, consequentemente, teve um uso generalizado ao sentido genitivo.

Outra consideração é quanto ao contexto histórico. Sabe-se que o termo Pai-de-santo ou Mãe-de-santo está arraigado na cultura afro-brasileira para se referir, identificar e dignificar as autoridades sacerdotais do Candomblé. Direito e respeito conquistado com muito esforço para se manter viva as culturas dos povos afrodescendentes. Até porque a separação entre existência (ou cultura) e religião é criação dos europeus, talvez por terem a religião cristã que não brotou da sua própria cultura, mas foi trazida de fora, um elemento estranho, que pode ter sido preservado em seu seio cultural tal pressuposto admitindo o culto cristão de forma artificial.

Os povos africanos sempre tiveram originariamente suas religiões de caráter étnico, isto é, não existe separação entre religião, crença, fé e a vida quotidiana. Porquanto, é outro erro dizer que "se cultua as forças da natureza". Cultua-se espíritos (Orixás, Nkises, Vodun) conscientes que regem as forças da natureza. Para o povo de santo e para os povos africanos esses espíritos são as leis da naturezas, são comandantes.

Alguns Pais e Mães de santo são de linhagens reais. Pois, se sabe que a Ìyá Nassô Oká fundadora da Casa Branca tem essa dignidade. A fundadora do Terreiro do Bogun e da Roça de Sé Ejá Hùndè, Ludovina Pessoa foi uma rainha livre que veio fundar esses candomblés. São, portanto, mães, com efeito, geraram e nutriram sua comunidade com a cultura (valores, cosmovisão) de onde vieram.

No catolicismo se diz Padre (pai) e Madre(mãe). Por que o candomblé não pode reconhecer maternidade e paternidade? É por isto que se é recolhido para o processo iniciático: para aprender com o Pai ou Mãe de santo os segredos, os mistérios da fé.

Sempre que utilizar meus textos cite nas suas referências:
HÙNNÓ-SERAFIM. Pai/Mãe de Santo ou Zelador/a? Disponível em:<http://zeniste.blogspot.com/2020/04/paimae-de-santo-ou-zeladora-talvez.html?m=1>. Acesso em: dia em algarismo mês apenas as três primeiras letras e ano (Exemplo para hoje: 17 Abr. 2020).

Imagem 1: Acervo do autor
Imagem 2: Disponível em:<https://pt.wikipedia.org/wiki/Giselle_Cossard#/media/Ficheiro:Omindarewaeogum.jpg>. Acesso em: 17 Abr. 2020.


REFERÊNCIAS
CAMARGO, Andreia. O livro dos Deuses Vodun: os mistérios revelados. 3ªed. E-book, 2015.

OLIVEIRA, Océlio Lima de. O Léxico da Língua de Santo: a língua do povo de santo em terreiros de candomblé de Rio Branco, Acre.  Disponível em: <http://www2.ufac.br/editora/livros/OLXICO_OCLIO.pdf>. Acesso em: 17 Abr. 2020.

WIKIPÉDIA. Deoscóredes Maximiliano dos Santos. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Deosc%C3%B3redes_Maximiliano_dos_Santos>. Acesso em: 17 Abr. 2020.


__________. Agenor Miranda. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Agenor_Miranda>. Acesso em: 17 Abr. 2020.

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