domingo, 5 de abril de 2020




Afrodescendência: A Concepção de Religião – Fontes de Preconceito e Discriminação


Religião é o termo que nomeia uma característica de determinada cultura que cultiva a crença em seres sobrenaturais divinizados. Para alguns, uma realidade transcendente (da lógica e da física). Não se entrará no mérito dessa discussão, por ora basta compreendê-los no sentido lato sensu de símbolos. A expressão religiosa utiliza-se de mitos e de lendas. Os primeiros dizem respeito à quaisquer narrativas que visam explicar a origem dos seres, quer divinos (teogonias), quer naturais (cosmogonias). Já as lendas são narrativas compostas por ficção e fatos com façanhas (ações humanas inexequíveis por outros, este é critério de qualificação de herói).

Além disso, as religiões estão intimamente ligadas às condições geográficas (de relevo, vegetação, clima, fauna, ocupação do espaço, etc.) e histórico-sociais (a origem do povo, seu conjunto de valores, sua organização social, política, econômica, etc.). Sua execução ocorre através da liturgia (ritos) em grupo ou solitariamente podendo incluir pedidos, oferendas, louvação, dança, cantos, músicas, ex-votos, celebração de fenômenos naturais, de ritos de passagem, dentre outras coisas.

É necessário dizer que o termo religião é uma invenção dos europeus e cristãos da perspectiva de sua concepção religiosa. Essa concepção foi amplamente difundida na cultura ocidental, assim, perfazendo sua cosmovisão e, consequentemente, tornando-se aparato interpretativo (inconscientemente algumas vezes). Por isso que, qualquer pessoa sob a influência da cultura europeia e destituída de crítica, sobretudo, os teóricos religiosos (filósofos, teólogos, etc.) cometeram erros ao lerem outras religiões. Portanto, religião, neste sentido, é um termo com uma definição stricto sensu que não dá conta das várias religiões existentes e nem das extintas.

Assim, por exemplo, é comum uma postura etnocêntrica e reprovadora da religião do Egito Antigo. Pois, se compreendeu religião do Egito Antigo a partir dos critérios cristãos. O resultado é a con-fusão e o oportunismo, pois, se por um lado o faraó não pode ser considerado uma divindade encarnada (e essa leitura já é uma compreensão propriamente cristã), por outro lado tem-se a aceitação de Jesus como um deus encarnado (assertiva recusada pelos judeus, inclusive na atualidade). Logo, já percebe-se, comparativamente, similitudes entre cristianismo e concepção religiosa do Egito Antigo (pode-se adicionar também o sentido de ressurreição em ambas) ao mesmo tempo, há contradição entre a concepção judaica de Deus e do cristianismo. A conclusão é que cada produção religiosa deve ser compreendida no horizonte de sua própria cultura (histórico-social) e comparativamente, nunca etnocentricamente.

E se ousar mais um pouco nesta linha de raciocínio, o culto aos santos no catolicismo faz, há muito tempo, parte de sua tradição doutrinária, estes se assemelham às lendas, já que mulheres, homens e crianças se envolveram em atitudes extraordinárias e fatos fabulosos. Concepção parecida com o culto aos santos afrorreligiosos (orixás, nkises ou voduns).

Aqui no Brasil, as religiões de matrizes africanas são alvos constantes de violências. Seus agentes são na maioria das vezes religiosos: cristãos evangélicos, em maior relevância, e cristãos católicos, em menor número. A violência se efetiva desde a desqualificação com a crença de terreiros presentes nas pregações difamatórias (e incentivo ao ódio, ao invés de cultivar o próprio credo), no convite à salvação como se os afrorreligiosos estivessem condenados, nas ofensas verbais e não-verbais, na destruição de Terreiros e, o mais severo dos casos, nas agressões físicas.

Essas reflexões servem para se pensar a respeito de expressões afrorreligiosas, bem como de sua reprovação por uma parcela da sociedade. Por uma questão didática agrupar-se-ão as questões em: a) aquelas ligadas à curiosidade de um modo geral; e b) aquelas cristocentricamente ditas. Questões do grupo A: 1. Será que a influência do termo religião, o desconhecimento sobre as afrorreligiões e a ignorância acerca da história nacional não são a causa do preconceito, da discriminação e do ódio às afrorreligiões? 2. No tocante ao sacrifício, será que as pessoas de outras religiões não se alimentam de seres vivos? 3. Será que esqueceu-se que todo ser vivo deve ser abatido antes mesmo de ser consumido? 4. Já pensaram que a prática do sacrifício tem função educativa, dentre outras, de encarar a experiência do abate (necessário e sem fins lucrativos, a fim de que se saiba o quão cara a vida é) coisa que os outros não o querem fazer, mas se alimentam do animal que foi por outros abatido? 5. Será que a recusa ao sacrifício não constitui um pensamento hipócrita, pois será consumido o animal que foi abatido por outro? 6. Você conhece (já participou variadas vezes) o culto afrorreligioso? 7. Deus deixou alguma religião? 8. Não seria a totalidade das religiões caminhos, formas diferentes que cada pessoa (na esfera espaço-temporal) encontra ou gera para ligar-se ao divino, o que justifica a enorme quantidade de religiões que existiram e existem? ; questões do grupo B: 1. Por que será que as afrorreligiões são ligadas a culto satânico, se inexiste esse ser para essas religiões? 2. E se fosse verdade a prestação de culto dos afrorreligioso ao diabo, o que os outros têm a ver com isso? 3. Se os afrorreligiosos não querem ser salvos de quem é a escolha e as consequências? 4. O que significa ser salvo? 5. Será que a afirmação de que só em Jesus há salvação não é um desmerecimento às demais religiões além de um ranço imperialista?  6. E aqueles que viveram antes de Cristo, os que não o conheceram, os ateus e os integrantes de outras religiões estão condenados? 7. Não há aí a pretensão de uma única verdade?

Portanto, ao considerar toda engenharia afroescravagista, facilita-se a compreensão da realidade cultural do nosso país em todos os sentidos. Pois, o projeto engenhoso escravagista subsidia ainda hoje nossas relações o tempo todo, quer para aquiescê-lo, quer para refutá-lo. Por isso, urge se autoavaliar para descobrir se se estar seguindo os ditames coloniais. Por fim, deve-se entender que religião pertence à vida privada não sendo direito de ninguém de opinar neste âmbito.

HÙNNÓ-SERAFIM. Afrodescendência: A Concepção de Religião – Fontes de Preconceito e Discriminação. Disponível em: <https://outrafonte.com/2020/04/06/afrodescendencia-a-concepcao-de-religiao-fontes-de-preconceito-e-discriminacao-por-hunno-serafim/>. Acesso em: 05 Abr. 2020.

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