Afrodescendência: A Concepção de Religião – Fontes de Preconceito e Discriminação
Religião é o termo que
nomeia uma característica de determinada cultura que cultiva a crença em seres
sobrenaturais divinizados. Para alguns, uma realidade transcendente (da lógica
e da física). Não se entrará no mérito dessa discussão, por ora basta
compreendê-los no sentido lato sensu
de símbolos. A expressão religiosa utiliza-se de mitos e de lendas. Os
primeiros dizem respeito à quaisquer narrativas que visam explicar a origem dos
seres, quer divinos (teogonias), quer naturais (cosmogonias). Já as lendas são
narrativas compostas por ficção e fatos com façanhas (ações humanas
inexequíveis por outros, este é critério de qualificação de herói).
Além disso, as
religiões estão intimamente ligadas às condições geográficas (de relevo,
vegetação, clima, fauna, ocupação do espaço, etc.) e histórico-sociais (a
origem do povo, seu conjunto de valores, sua organização social, política,
econômica, etc.). Sua execução ocorre através da liturgia (ritos) em grupo ou
solitariamente podendo incluir pedidos, oferendas, louvação, dança, cantos,
músicas, ex-votos, celebração de fenômenos naturais, de ritos de passagem, dentre
outras coisas.
É necessário dizer que
o termo religião é uma invenção dos
europeus e cristãos da perspectiva de sua concepção religiosa. Essa concepção
foi amplamente difundida na cultura ocidental, assim, perfazendo sua cosmovisão
e, consequentemente, tornando-se aparato interpretativo (inconscientemente
algumas vezes). Por isso que, qualquer pessoa sob a influência da cultura
europeia e destituída de crítica, sobretudo, os teóricos religiosos (filósofos,
teólogos, etc.) cometeram erros ao lerem outras religiões. Portanto, religião,
neste sentido, é um termo com uma definição stricto
sensu que não dá conta das várias religiões existentes e nem das extintas.
Assim, por exemplo, é
comum uma postura etnocêntrica e reprovadora da religião do Egito Antigo. Pois,
se compreendeu religião do Egito Antigo a partir dos critérios cristãos. O
resultado é a con-fusão e o
oportunismo, pois, se por um lado o faraó não pode ser considerado uma
divindade encarnada (e essa leitura já é uma compreensão propriamente cristã),
por outro lado tem-se a aceitação de Jesus como um deus encarnado (assertiva
recusada pelos judeus, inclusive na atualidade). Logo, já percebe-se, comparativamente,
similitudes entre cristianismo e concepção religiosa do Egito Antigo (pode-se
adicionar também o sentido de ressurreição em ambas) ao mesmo tempo, há
contradição entre a concepção judaica de Deus e do cristianismo. A conclusão é
que cada produção religiosa deve ser compreendida no horizonte de sua própria
cultura (histórico-social) e comparativamente, nunca etnocentricamente.
E se ousar mais um
pouco nesta linha de raciocínio, o culto aos santos no catolicismo faz, há
muito tempo, parte de sua tradição doutrinária, estes se assemelham às lendas,
já que mulheres, homens e crianças se envolveram em atitudes extraordinárias e
fatos fabulosos. Concepção parecida com o culto aos santos afrorreligiosos (orixás,
nkises ou voduns).
Aqui no Brasil, as
religiões de matrizes africanas são alvos constantes de violências. Seus
agentes são na maioria das vezes religiosos: cristãos evangélicos, em maior
relevância, e cristãos católicos, em menor número. A violência se efetiva desde
a desqualificação com a crença de terreiros presentes nas pregações difamatórias
(e incentivo ao ódio, ao invés de cultivar o próprio credo), no convite à
salvação como se os afrorreligiosos estivessem condenados, nas ofensas verbais
e não-verbais, na destruição de Terreiros e, o mais severo dos casos, nas
agressões físicas.
Essas reflexões servem
para se pensar a respeito de expressões afrorreligiosas, bem como de sua
reprovação por uma parcela da sociedade. Por uma questão didática agrupar-se-ão
as questões em: a) aquelas ligadas à
curiosidade de um modo geral; e b) aquelas
cristocentricamente ditas. Questões do grupo
A: 1. Será que a influência do
termo religião, o desconhecimento sobre as afrorreligiões e a ignorância acerca
da história nacional não são a causa do preconceito, da discriminação e do ódio
às afrorreligiões? 2. No tocante ao
sacrifício, será que as pessoas de outras religiões não se alimentam de seres
vivos? 3. Será que esqueceu-se que
todo ser vivo deve ser abatido antes mesmo de ser consumido? 4. Já pensaram que a prática do
sacrifício tem função educativa, dentre outras, de encarar a experiência do
abate (necessário e sem fins lucrativos, a fim de que se saiba o quão cara a
vida é) coisa que os outros não o querem fazer, mas se alimentam do animal que
foi por outros abatido? 5. Será que a
recusa ao sacrifício não constitui um pensamento hipócrita, pois será consumido
o animal que foi abatido por outro? 6.
Você conhece (já participou variadas vezes) o culto afrorreligioso? 7. Deus deixou alguma religião? 8. Não seria a totalidade das religiões
caminhos, formas diferentes que cada pessoa (na esfera espaço-temporal)
encontra ou gera para ligar-se ao divino, o que justifica a enorme quantidade
de religiões que existiram e existem? ; questões do grupo B: 1. Por que será
que as afrorreligiões são ligadas a culto satânico, se inexiste esse ser para
essas religiões? 2. E se fosse
verdade a prestação de culto dos afrorreligioso ao diabo, o que os outros têm a
ver com isso? 3. Se os afrorreligiosos
não querem ser salvos de quem é a escolha e as consequências? 4. O que significa ser salvo? 5. Será que a afirmação de que só em
Jesus há salvação não é um desmerecimento às demais religiões além de um ranço
imperialista? 6. E aqueles que viveram antes de Cristo, os que não o conheceram,
os ateus e os integrantes de outras religiões estão condenados? 7. Não há aí a pretensão de uma única
verdade?
Portanto, ao considerar
toda engenharia afroescravagista, facilita-se a compreensão da realidade
cultural do nosso país em todos os sentidos. Pois, o projeto engenhoso
escravagista subsidia ainda hoje nossas relações o tempo todo, quer para
aquiescê-lo, quer para refutá-lo. Por isso, urge se autoavaliar para descobrir
se se estar seguindo os ditames coloniais. Por fim, deve-se entender que
religião pertence à vida privada não sendo direito de ninguém de opinar neste âmbito.

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