segunda-feira, 20 de abril de 2020


Afrodescendência e Candomblé

Hùnnó Serafim

Os candomblés são instituições responsáveis por denegrir pessoas (torná-las afrodescendentes). Talvez o banzo, sentimento afrossaudosístico arrastando à morte, tenha sido um dos motivos para o surgimento do candomblé. O fato é que os afrodescendentes resistiram às inúmeras atrocidades a eles impostas e re-existiram como uma nova forma de comunidade. Com isso, dignamente demonstraram o axé, a força, o ânimo de sua vida (no sentido pleno de sua compreensão, sua cosmovisão).

Nesses espaços idiossincráticos foram preservados vários elementos afro-culturais, e.g., língua, organização social, economia, herbolaria, culinária, expressões artísticas, educação, memória, política, religião, dentre outros e, por isso, são referências da afro-existência. Estes espaços foram responsáveis desde o princípio pelo processo de iniciação e sua continuidade pelo qual se restitui a afro-ancestralidade, isto é, o afrodescendente inicia a construção de sua identidade enquanto povo, ao mesmo tempo, é feita a ligação de sua dignidade; em outras palavras, empoderamento. Por fim, ressalte-se, ainda, que nessa prática inexiste proselitismo, já que é uma religião de concepção de povo, étnica, por assim dizer.

Desse modo, o afrodescendente passa de um nada, do ponto de vista de um ser destituído de uma história, a um ser agregado em plena dignidade a um grupo. Pois, nas sociedades tradicionais africanas não se concebem alguém desvinculado de algum grupo, como um andarilho (inclusive algo muito mal visto, como se tivesse sido expulso de seu grupo por transgressão), além do mais, as organizações dos europeus preservavam sua filiação pelo sobrenome.

Há que se frisar que os povos africanos e os de terreiros não entendem religião desvinculada da cotidianidade. Religião para o povo de terreiro é fundante da cultura. Prova disso, que a natureza, a realidade, tem suas forças de domínios denominados de orixás (para os descendentes dos povos yorubás), Nkises (para os descendentes bantus) e voduns (para os descendentes dos ajás, ewes e fons do antigo Reino do Daomé), que são seres regentes dos fenômenos naturais e co-regentes dos fenômenos humanos. Essas divindades têm locais (de “moradas”) específicos em pedreiras, florestas, rios, lagoas, estradas, terra, etc., por isso, que o sagrado é cultuado não apenas no espaço construído (o Terreiro), mas para além; sendo sacrilégio (proibição) atitudes (pensar-ser-agir é uma única coisa) prejudiciais que interfiram na natureza (poluição, sujeira, desmatamento, desperdiço de seus gêneros, acúmulo desnecessário, dentre outros), uma vez que se está desrespeitando o santo regente daquele espaço.

Estas organizações, a mais das vezes, foram instituídas distantes dos centros urbanos por vários fatores que se pode aqui ser recuperados, são alguns deles: a) a reprovação dessas organizações dada a temerosidade subjacente do colonizador que compreendia tais espaços como oportunos para originar levantes, b) inexistência de direitos para afrodescendentes e falta de recursos dos mesmos para obtenção de posse de terras, c) política etnocida, i. e., consideração de que qualquer expressão cultural afrodescendente deveria ser exterminada e, por isso, foi-se ilegalizadas.

Não obstante, se pergunta como conseguiram erguer construções dessa natureza. Tem uma parte pouquíssima evidenciada nas aulas de história que é a escravidão urbana na qual os escravizados eram denominados escravos de ganho. Eles viviam na área urbana e vendiam produtos para cumprir uma meta estipulada pelo seu senhor, o excedente era de sua posse. Muitos escravizados, segundos os historiadores, mantinham a casa grande e o seu próprio sustento. Assim, do excedente, quando se podia, era comprada sua alforria e revertido em outros bens. Também, graças a essa modalidade de regime foram possíveis as articulações de motins que eram orquestrados em plena via pública entre os vendedores ambulantes. 

Outros relatos informam que alguns bens adquiridos se deram por algum tipo de cura concedido por afrodescendente a algum familiar de algum fidalgo; este lhe recompensava com presente de sua liberdade e, à vezes, de algum valor em dinheiro.

Os primeiros candomblés de que se tem registro surgiram no Recôncavo baiano na cidade de Cachoeira (1785) e pasmem: na Rua do Pasto, dentro da área urbana. Além do mais, frise-se a exceção, por fatores diversos aqui ignorados da existência de afrodescendentes influentes e de algum poder aquisitivo como dono de fazenda, é o caso de José Maria de Belchior, o Zé de Brechó (Dadá Runhó), e Seu Ventura.  O primeiro é ligado ao Terreiro do Bitedô (1830) que foi transferido por volta de 1860-70 para Fazenda Xarén, este Terreiro era assistido por Tixareme e Ludovina Pessoa; já Seu Ventura, tinha a mulher iniciada, filha de santo de Ludovina Pessoa que juntas fundaram o Terreiro de Sɛ̀jáhùnɖé (lê-se sejá-undê) na fazenda dele passando a ser também conhecido como Terreiro do Ventura.

Há uma curiosidade histórica da possibilidade do Terreiro do Bogun (fundado por Ludovina Pessoa), em Salvador, está ligado a Revolta dos Malês de 1835, já que Luíza Mahin era da mesma etnia daquela casa de santo e do nome daquele Terreiro carregar na sua identificação a terminação malê.

Pelo exposto algumas questões emergem. Será que se pode desvincular afrodescendência de candomblé ou vice-versa? Há como falar de afrodescendência eximindo o elemento afrorreligioso? Pode se afirmar que o candomblé é uma fonte fidedigna de culturas afro-brasileiras? Por que em um país que se diz democrático, as afroexistências ainda sofrem resistências por parte de poderes públicos ao negar deferência às suas representações, por exemplo? Na sua cidade existiu ou existe manifestação/experiência afrodescendente? De que modo? Qual a postura dos poderes públicos? E das pessoas? E a sua? Você é não-racista (não discrimina e pronto) ou antirracista (combate qualquer forma de racismo)?

O fato é que o candomblé tem sua contribuição memorável no seio da sociedade brasileira em vários aspectos e sentidos. Além do mais, no Brasil, ser afrodescendente biologicamente não basta tem que se tornar culturalmente.


REFERÊNCIAS

GONDINHO, Paula. O futuro é para sempre: experiência, expectativa e práticas possíveis. Disponível em: <https://pgl.gal/paula-godinho-resistir-do-latim-resistere-vem-stare-significa-manter-pe-contrariar-gravidade-seja-esta-na-base-da-nossa-propria-historia-humanos/>. Acesso em: 20 abr. 2020.

OLIVEIRA, Océlio Lima de. O Léxico da Língua de Santo: a Língua do Povo de Santoem Terreiros se Candomblé de Rio Branco, Acre. Disponível em: <http://www2.ufac.br/editora/livros/OLXICO_OCLIO.pdf >. Acesso em: 17 abr. 2020.

YOUTUBE. Gayaku Luiza: força e magia dos voduns. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=Y6TXCfUH4V0>. Acesso em: 20 abr. 2020.

WIKIPÉDIA. Roça do Ventura. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ro%C3%A7a_do_Ventura>. Acesso em: 20 abr. 2020.



Fogueira de Xangô ou Sogbô

Fonte das imagens: https://vogue.globo.com/lifestyle/cultura/noticia/2016/12/candomble-e-tema-de-pinturas-raras-de-carybe.html

sexta-feira, 17 de abril de 2020









                                                                                      Imagem 2:  Mãe Gisele Omindarewá

             Imagem1: Seu João Engomador


Pai/Mãe DE SANTO ou Zelador/a?

Talvez inspirados no Reverendo Bàbálawo Prof. Agenor Miranda (1907-2004), inclusive há um vídeo em circulação pública no qual ele defende veemente a ideia de que se troque o título Pai/Mãe DE SANTO por Zelador/a. É muito comum as pessoas de candomblé, de certas regiões do país, adotarem a indicação do Prof. Agenor. É indiscutível para nossa tradição que Prof. Agenor é uma lenda, assim como Mestre Didi (1917-2013). Contudo, analise-se etimologicamente as referências desses termos em algumas líguas africanas legadas no candomblé, além de nos empreendermos em seu contexto histórico.

Em iorubá, língua utilizada nos candomblés nagôs e ketu, Pai de Santo se diz: Bàbálorixá, no qual Bàbá significa Pai e lorixá literalmente significa força da cabeça , entendido como Santo para o povo dessa nação de candomblé: orixá. O mesmo se aplica ao termo Mãe de Santo. Assim, se tem Ìyálorixá, na qual a palavra Ìyá signfica mãe e lorixá igualmente a explicação anterior. E não para por aí, pois há outros cargos que seguem uma ordem semelhante: Bàbákekere (Pai Pequeno) e Ìyákekere (Mãe Pequena), Bàbáegbé (Pai da comunidade), Ìyálaxé e Bàbálaxé, Bàbáefun e Ìyáefun.

O candomblé Jeje apresenta uma complexidade em relação aos termos Pai e Mãe de Santo. O termo genérico é Hùngbónò etimologicamente Hùn significa vodun, espírito e, por equivalência à língua portuguesa, Santo. O termo  significa mãe, filologicamente em lato sensu, aquele que gera incluindo, por conseguinte, o sentido pai ao vocábulo. O termo médio gbó refere-se à maioridade, à sabedoria pela experiência de vida, pois em África indica a senilidade, a maturidade de uma pessoa. Portanto, inexiste hùngbónà cuja terminação, neste caso, é uma associação daquele termo fon com a desinência de indicação de gênero feminino segundo a gramática de língua portuguesa que em sua maioria grafa com a letra a, menino versus menina.

Após explicação do termo genérico tradicional do candomblé Jeje Mahin, passe-se aos termos específicos. É o caso de Dotέ para os sacerdotes que não são iniciados para algum vodun da família de Gbέsén (Dan). O termo feminino correspondente é Donέ. Ao sacerdote ou à sacerdotisa iniciado para algun vodun da família de Gbέsén dá-se o termo de Mεjitɔ̀. Sua explicação etimológica é mε: pessoa  : gerar, originar e tɔ̀: aquele/a. Assim, literalmente: aquele/a pessoa que gera ou aquele/a que gera pessoa, por extensão, o pai ou a mãe geradora e ainda, o pai ou mãe gerador de pessoa ligado à água, já que jì indica chuva como na explicação entre Ji-vodun e Toy-vodun. Por fim, o termo exclusivamente feminino no Brasil para sacerdotisas que se tornou genérico semelhante ao Dotέ é  Gayaku. Este termo é usado exclusivamente para as sacerdotisas Jeje Mahin no Brasil.

Há que se entender que DE-SANTO é um qualificador, um adjetivo. Se diz: Pai/Mãe DE-SANTO para qualificar o substantivo e sua relação. Por exemplo: Pai/Mãe biológico, adotivo, DE-SANTO, etc. e ainda Casa DE-SANTO, quarto DE-SANTO, roça DE-SANTO, roupa DE-SANTO, comida DE-SANTO, filho DE-SANTO, irmão DE-SANTO, família DE-SANTO, povo DE-SANTO, ferramenta DE-SANTO, festa DE-SANTO, língua DE-SANTO, a vida DE ou no SANTO, etc. Portanto, foi uma interpretação equivocada da preposição de, que tem vários sentidos na gramática da língua portuguesa que foram ignorados e, consequentemente, teve um uso generalizado ao sentido genitivo.

Outra consideração é quanto ao contexto histórico. Sabe-se que o termo Pai-de-santo ou Mãe-de-santo está arraigado na cultura afro-brasileira para se referir, identificar e dignificar as autoridades sacerdotais do Candomblé. Direito e respeito conquistado com muito esforço para se manter viva as culturas dos povos afrodescendentes. Até porque a separação entre existência (ou cultura) e religião é criação dos europeus, talvez por terem a religião cristã que não brotou da sua própria cultura, mas foi trazida de fora, um elemento estranho, que pode ter sido preservado em seu seio cultural tal pressuposto admitindo o culto cristão de forma artificial.

Os povos africanos sempre tiveram originariamente suas religiões de caráter étnico, isto é, não existe separação entre religião, crença, fé e a vida quotidiana. Porquanto, é outro erro dizer que "se cultua as forças da natureza". Cultua-se espíritos (Orixás, Nkises, Vodun) conscientes que regem as forças da natureza. Para o povo de santo e para os povos africanos esses espíritos são as leis da naturezas, são comandantes.

Alguns Pais e Mães de santo são de linhagens reais. Pois, se sabe que a Ìyá Nassô Oká fundadora da Casa Branca tem essa dignidade. A fundadora do Terreiro do Bogun e da Roça de Sé Ejá Hùndè, Ludovina Pessoa foi uma rainha livre que veio fundar esses candomblés. São, portanto, mães, com efeito, geraram e nutriram sua comunidade com a cultura (valores, cosmovisão) de onde vieram.

No catolicismo se diz Padre (pai) e Madre(mãe). Por que o candomblé não pode reconhecer maternidade e paternidade? É por isto que se é recolhido para o processo iniciático: para aprender com o Pai ou Mãe de santo os segredos, os mistérios da fé.

Sempre que utilizar meus textos cite nas suas referências:
HÙNNÓ-SERAFIM. Pai/Mãe de Santo ou Zelador/a? Disponível em:<http://zeniste.blogspot.com/2020/04/paimae-de-santo-ou-zeladora-talvez.html?m=1>. Acesso em: dia em algarismo mês apenas as três primeiras letras e ano (Exemplo para hoje: 17 Abr. 2020).

Imagem 1: Acervo do autor
Imagem 2: Disponível em:<https://pt.wikipedia.org/wiki/Giselle_Cossard#/media/Ficheiro:Omindarewaeogum.jpg>. Acesso em: 17 Abr. 2020.


REFERÊNCIAS
CAMARGO, Andreia. O livro dos Deuses Vodun: os mistérios revelados. 3ªed. E-book, 2015.

OLIVEIRA, Océlio Lima de. O Léxico da Língua de Santo: a língua do povo de santo em terreiros de candomblé de Rio Branco, Acre.  Disponível em: <http://www2.ufac.br/editora/livros/OLXICO_OCLIO.pdf>. Acesso em: 17 Abr. 2020.

WIKIPÉDIA. Deoscóredes Maximiliano dos Santos. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Deosc%C3%B3redes_Maximiliano_dos_Santos>. Acesso em: 17 Abr. 2020.


__________. Agenor Miranda. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Agenor_Miranda>. Acesso em: 17 Abr. 2020.

domingo, 5 de abril de 2020




Afrodescendência: A Concepção de Religião – Fontes de Preconceito e Discriminação


Religião é o termo que nomeia uma característica de determinada cultura que cultiva a crença em seres sobrenaturais divinizados. Para alguns, uma realidade transcendente (da lógica e da física). Não se entrará no mérito dessa discussão, por ora basta compreendê-los no sentido lato sensu de símbolos. A expressão religiosa utiliza-se de mitos e de lendas. Os primeiros dizem respeito à quaisquer narrativas que visam explicar a origem dos seres, quer divinos (teogonias), quer naturais (cosmogonias). Já as lendas são narrativas compostas por ficção e fatos com façanhas (ações humanas inexequíveis por outros, este é critério de qualificação de herói).

Além disso, as religiões estão intimamente ligadas às condições geográficas (de relevo, vegetação, clima, fauna, ocupação do espaço, etc.) e histórico-sociais (a origem do povo, seu conjunto de valores, sua organização social, política, econômica, etc.). Sua execução ocorre através da liturgia (ritos) em grupo ou solitariamente podendo incluir pedidos, oferendas, louvação, dança, cantos, músicas, ex-votos, celebração de fenômenos naturais, de ritos de passagem, dentre outras coisas.

É necessário dizer que o termo religião é uma invenção dos europeus e cristãos da perspectiva de sua concepção religiosa. Essa concepção foi amplamente difundida na cultura ocidental, assim, perfazendo sua cosmovisão e, consequentemente, tornando-se aparato interpretativo (inconscientemente algumas vezes). Por isso que, qualquer pessoa sob a influência da cultura europeia e destituída de crítica, sobretudo, os teóricos religiosos (filósofos, teólogos, etc.) cometeram erros ao lerem outras religiões. Portanto, religião, neste sentido, é um termo com uma definição stricto sensu que não dá conta das várias religiões existentes e nem das extintas.

Assim, por exemplo, é comum uma postura etnocêntrica e reprovadora da religião do Egito Antigo. Pois, se compreendeu religião do Egito Antigo a partir dos critérios cristãos. O resultado é a con-fusão e o oportunismo, pois, se por um lado o faraó não pode ser considerado uma divindade encarnada (e essa leitura já é uma compreensão propriamente cristã), por outro lado tem-se a aceitação de Jesus como um deus encarnado (assertiva recusada pelos judeus, inclusive na atualidade). Logo, já percebe-se, comparativamente, similitudes entre cristianismo e concepção religiosa do Egito Antigo (pode-se adicionar também o sentido de ressurreição em ambas) ao mesmo tempo, há contradição entre a concepção judaica de Deus e do cristianismo. A conclusão é que cada produção religiosa deve ser compreendida no horizonte de sua própria cultura (histórico-social) e comparativamente, nunca etnocentricamente.

E se ousar mais um pouco nesta linha de raciocínio, o culto aos santos no catolicismo faz, há muito tempo, parte de sua tradição doutrinária, estes se assemelham às lendas, já que mulheres, homens e crianças se envolveram em atitudes extraordinárias e fatos fabulosos. Concepção parecida com o culto aos santos afrorreligiosos (orixás, nkises ou voduns).

Aqui no Brasil, as religiões de matrizes africanas são alvos constantes de violências. Seus agentes são na maioria das vezes religiosos: cristãos evangélicos, em maior relevância, e cristãos católicos, em menor número. A violência se efetiva desde a desqualificação com a crença de terreiros presentes nas pregações difamatórias (e incentivo ao ódio, ao invés de cultivar o próprio credo), no convite à salvação como se os afrorreligiosos estivessem condenados, nas ofensas verbais e não-verbais, na destruição de Terreiros e, o mais severo dos casos, nas agressões físicas.

Essas reflexões servem para se pensar a respeito de expressões afrorreligiosas, bem como de sua reprovação por uma parcela da sociedade. Por uma questão didática agrupar-se-ão as questões em: a) aquelas ligadas à curiosidade de um modo geral; e b) aquelas cristocentricamente ditas. Questões do grupo A: 1. Será que a influência do termo religião, o desconhecimento sobre as afrorreligiões e a ignorância acerca da história nacional não são a causa do preconceito, da discriminação e do ódio às afrorreligiões? 2. No tocante ao sacrifício, será que as pessoas de outras religiões não se alimentam de seres vivos? 3. Será que esqueceu-se que todo ser vivo deve ser abatido antes mesmo de ser consumido? 4. Já pensaram que a prática do sacrifício tem função educativa, dentre outras, de encarar a experiência do abate (necessário e sem fins lucrativos, a fim de que se saiba o quão cara a vida é) coisa que os outros não o querem fazer, mas se alimentam do animal que foi por outros abatido? 5. Será que a recusa ao sacrifício não constitui um pensamento hipócrita, pois será consumido o animal que foi abatido por outro? 6. Você conhece (já participou variadas vezes) o culto afrorreligioso? 7. Deus deixou alguma religião? 8. Não seria a totalidade das religiões caminhos, formas diferentes que cada pessoa (na esfera espaço-temporal) encontra ou gera para ligar-se ao divino, o que justifica a enorme quantidade de religiões que existiram e existem? ; questões do grupo B: 1. Por que será que as afrorreligiões são ligadas a culto satânico, se inexiste esse ser para essas religiões? 2. E se fosse verdade a prestação de culto dos afrorreligioso ao diabo, o que os outros têm a ver com isso? 3. Se os afrorreligiosos não querem ser salvos de quem é a escolha e as consequências? 4. O que significa ser salvo? 5. Será que a afirmação de que só em Jesus há salvação não é um desmerecimento às demais religiões além de um ranço imperialista?  6. E aqueles que viveram antes de Cristo, os que não o conheceram, os ateus e os integrantes de outras religiões estão condenados? 7. Não há aí a pretensão de uma única verdade?

Portanto, ao considerar toda engenharia afroescravagista, facilita-se a compreensão da realidade cultural do nosso país em todos os sentidos. Pois, o projeto engenhoso escravagista subsidia ainda hoje nossas relações o tempo todo, quer para aquiescê-lo, quer para refutá-lo. Por isso, urge se autoavaliar para descobrir se se estar seguindo os ditames coloniais. Por fim, deve-se entender que religião pertence à vida privada não sendo direito de ninguém de opinar neste âmbito.

HÙNNÓ-SERAFIM. Afrodescendência: A Concepção de Religião – Fontes de Preconceito e Discriminação. Disponível em: <https://outrafonte.com/2020/04/06/afrodescendencia-a-concepcao-de-religiao-fontes-de-preconceito-e-discriminacao-por-hunno-serafim/>. Acesso em: 05 Abr. 2020.

sexta-feira, 3 de abril de 2020


Afrodescendência: Política e Assunção


A afrodescendência diz respeito à ligação que certas pessoas de um determinado lugar têm ao menos com um dos povos, existentes ou extintos, do continente africano. Esta ligação tem critérios bem definidos e basicamente são dois: características corporais ou étnicas. As primeiras são involuntárias e tem a ver com o gene (determinação da natureza), a outra é voluntária e tem a ver com escolha (existência: liberdade humana).

A escolha gera atitude política afrodescendente que, inicialmente, é o autorreconhecimento da pessoa afrodescendente a partir dos dois critérios já mencionados. O primeiro diz respeito à autoaceitação da cor da pele, do cabelo crespo (a mais das vezes), dos lábios carnudos, etc., o segundo é a consideração por uma afro-cultura e sua iniciação (ou manutenção) nela. Portanto, atitude política afrodescendente, também chamada de empoderamento, é pensar e agir valorizando os caracteres corporais e/ou étnicos afrodescendentes.

Tal atitude é um apelo e um cultivo constante do amor próprio e da exigência do respeito dos outros. Essa exigência não é apenas impositiva, pode se dá pela via da conscientização desconstruindo valores e expondo sua própria realidade. Por isso da importância da assunção, como atitude de assumir suas características corporais (se amar, se admirar, se respeitar) ou seus elementos étnicos (ter respeito pela estética do grupo do qual faz parte), pois, sabe-se que “a roupa faz o monge”.

Esse adágio é a expressão da necessidade que as pessoas têm de serem informadas através de signos de identidade do grupo do qual o outro é integrante. Assim, graças à linguagem não-verbal, expressa-se por meio do corpo, que é fonte de informações das ideias e das produções culturais do grupo. Pois, qual imagem se tem de uma indiana, de uma mulçumana, de um árabe, de um sertanejo, de uma baiana, de um hippie, dos góticos, dos punks, dos clubbers, dos ciganos? Observe a intenção dos uniformes escolares, de times, dos militares, de organizações, dos paramentos religiosos, de um modo geral, todos prezam pela identidade e divulgação. Assim, quando se pretende propagar um evento se confecciona uma indumentária com seus signos, no entanto, efemeramente se cai no esquecimento.

Além do mais, vive-se em uma época cuja diluição da identidade de grupo é facilitada a reduzir-se ao nada, ao desaparecimento em meio a uma uniformização geral presentes nas T-shirts, ternos e similares. Uma pseudo ideia de igualdade (no trajar-se) é a lei que separa o mundo entre comuns e as lideranças. Portanto, fast foods, roupas prontas, jamais devem substituir sua culinária, seu fio de conta, seu torço, seus balangandãs, abadás (este já teve sua nova versão corrompida pelo carnaval), eketé, camisu, etc.

Será que atitude política não é um exercício de cidadania: ou você expõe sua proposta e luta por ela (quando necessário) ou, por omissão, terá de assumir a forma dos outros? Iniciados, por que só trajar a roupa da sua cultura apenas em eventos específicos? Essa atitude não demonstra vergonha, medo, reprovação? Não indica desrespeito consigo mesmo e sujeição? Como exigir respeito se não o tem por si mesmo? Estaria despolitizado e desmerecendo a afrodescendência? Será que você ao recuar, está tendo o controle de sua vida? Deixar a cultura ser exterminada sob a desculpa de ser ultrapassada?

A assunção significa ter identidade e manter uma postura firme. É externar sua cultura, seu ser. A assunção serve de fortalecimento do grupo e da auto-estima. É erguer uma bandeira e adquirir respeito.

HÙNNÓ-SERAFIM. Afrodescendência: Política e Assunção. Disponível em: <https://outrafonte.com/2020/04/04/afrodescendencia-politica-e-assuncao-por-hunno-serafim/>. Acesso em: 04 Abr. 2020.

quarta-feira, 1 de abril de 2020



Afrodescendência e Zumbi: Ancestralidade e Resistência


Zumbi dos Palmares (1655-1695) ou simplesmente Zumbi é o maior ícone do movimento afrodescendente nacional. Congrega dentre muitos valores os de ser inspiração e exemplo supremo de resistência contra o regime escravagista desenvolvido no Brasil. Seu nome não deve ser entendido conforme ensinado pelos filmes hollywoodianos: um morto-vivo que sai por aí amedrontando pessoas. Deve ser compreendido no sentido mais próximo do original, i. é, da perspectiva de vivências afro-culturais. Assim, o termo Zumbi se trata de um morto que vive substanciando existências, uma ancestralidade que referencia qualquer afrodescendente, um manancial de memórias e esperança, uma inspiração para qualquer ser humano. Esta definição é coerente ao termo Nzumbi do kimbundu.

Ultimamente há uma “polêmica” em torno da real existência desse herói: teria ele existido? Seria ele uma personagem criada pelo movimento afrodescendente? Se ele não existiu, que impacto causaria, sobretudo, na luta afrodescendente? É necessário mencionar que há muitas personagens renomadas na história cujas existências são contestadas por falta de provas: Sócrates, Jesus, Maomé, deus ou os deuses são seres que são contestados em sua real existência. Mas, a “simples” ideia da não existência dessas personagens seria tão problemática ou importante assim? Pois, mesmo tendo sua existência suspensa ou negada, o número da legião dos teístas, dos cristãos, dos mulçumanos sofreu alguma diminuição? A Filosofia abandonou os ditos textos de Sócrates? Ela estuda Sócrates por Sócrates ainda que para alguns sirva de categoria para se referir ao jovem Platão. Portanto, tais personagens como ideia, são reais.

Não seria Zumbi do ponto de vista da sua importância tão real quanto às personagens citadas? Mesmo que ele não tenha existido, não estaria a própria negação a confirmar uma capacidade louvável da comunidade afrodescendente de criar uma personagem tão impactante e memorável? É recusável qualquer entendimento de sua existência associado à mentira, pois, as atrocidades aplicadas àqueles povos constantemente, basta para aliá-lo a uma expressão de fatos (inumeráveis, oriundos do Estado e da sociedade brasileira e atuais). Será que os colonizadores não quiseram exterminar a memória de Zumbi e, por extensão, dos povos afrodescendentes ao negar-lhe o registro em documentos públicos? Seria ele uma lenda? Um mito?

Será que Zumbi não é um ente lingüístico que, como um símbolo, é uma célebre representação cultural que ensina, que critica e que denuncia fatos históricos? Qual a preocupação de negar-lhe existência? Desqualificar o movimento que luta por direito a séculos? Quais as reais pretensões por trás de tal negação? A eliminação das conquistas? Proposta para implantação de uma política neocolonial? Estimular o conformismo e aceitar todo tipo de desqualificação com os afrodescendentes?

O fato é que, quer como ser humano de real existência, quer como uma personagem, Zumbi já ultrapassou o simples limite de sua importância meramente humana, ele tal como signos religiosos (a Cruz, Meca, a Bíblia, o Alcorão) é a magna representação de afro-resistência, sua forma transcende o indivíduo ao grupo. Zumbi é um imperativo, um lembrete, uma voz, um mártir que todos os dias convoca seu povo à luta.

HÙNNÓ-SERAFIM. Afrodescendência e Zumbi: Ancestralidade e Resistência. Disponível em: <https://outrafonte.com/2020/04/01/afrodescendencia-e-zumbi-ancestralidade-e-resistencia/>. Acesso em 01 Abr. 2020.



Zumbi dos Palmares


Estátua de Zumbi - Salvador-BA

(Fonte: http://www.sinttelba.com.br/noticia/450/8%C2%AA-lavagem-da-est%C3%A1tua-do-zumbi-acontece-no-dia-20-de-novembro)


Quilombo dos Palmares - Serra da Barriga
(Fonte: https://www.portalmatasul.com.br/wp-content/uploads/2017/11/Quilombo-1.jpg)


(Fonte: https://slideplayer.com.br/slide/1609627/5/images/50/Mapa+de+Palmares+Fonte%3A+REIS%2C+J.+J.%3B+GOMES%2C+F.+dos+S..jpg)


Lavagem da Estátua de Zumbi
(Fonte: https://cdn.jornalgrandebahia.com.br/2018/11/Lavagem-da-est%C3%A1tua-de-Zumbi-dos-Palmares.jpg)