sábado, 31 de outubro de 2020

 


A obra intitulada Săw Zūgbí (São Zumbi), com data de 27 de outubro de 2020, foi idealizada por Hùnnó Serafim[1] e pintada por Lucas Santos[2]. Na pintura, Zumbi aparece vestido nas cores verde e amarelo com detalhes em preto em referência ao povo Jeje[3] (sendo uma adaptação ao contrário, já que, para esse povo, a predominância é o amarelo sobre o verde), ao mesmo tempo em que referencia as cores da bandeira brasileira cujo sentido é a demonstração de que houve preservação afro-cultural neste país por meio dos processos de resistências. Curiosamente, as cores em questão são as mesmas da Casa Real dos antigos monarcas do Brasil. Essa ambígua informação tem o sentido de afirmar que a realeza daomeana é mais antiga que esta e foi alvo dos desumanos projetos coloniais. As miras, no que tange ao sentido na obra, foram inspiradas no sistema adinkra, comunicam que as pessoas negras foram e continuam sendo alvo do Estado brasileiro, em termos de extermínio: etnocídio e genocídio. Mas, Zumbi (o povo afro-brasileiro) está de pé não se intimidando com as reais ameaças e ataques, já que, considera a ausência da dignidade humana uma espécie de morte. Logo, se render não é opção. Sua lança confere-lhe o status de guerreiro e o eruxim na mão esquerda, como toda indumentária, o status real, além de indicar seu poder nato de liderar. A paisagem natural remete ao Quilombo de Palmares, por extensão, à beleza desse país. A vassourinha doce (Scoparia dulcis L.) significa sua autoridade sacerdotal, pois, esta planta é considerada sagrada e, por isso, utilizada por muitos candomblés. O semblante tranquilo de Zumbi revela intrepidez. Ao fundo, um céu claro de sol representando a bênção dos voduns sobre aquele que reúne toda cosmovisão de seu povo e é uma referência ao horizonte no qual céu e oceano se tocam para lembrar sua origem intercontinental. Sua conta de pedras amarelas e búzios reforçam sua condição real. A dupla ponta da lança remete à junção dos povos como um só: afro-brasileiro, como também, sua imortalidade na história de ambos. O pano que lhe pende do ombro esquerdo com suas cores e figuras revelam a existência de suas lutas e ideais, bem como, de poder, ao mesmo tempo em que serve de inspiração para seu povo: toda comunidade nacional negra. O termo São, inspirado no sentido católico e ressignificado, atesta: sua excelente qualidade humana pelo exemplo de vida, sua condição de herói, como também, é uma representação de tantos Zumbis que lutaram e lutam, que foram assassinados e tantos outros que resistem. Por fim, inclui-se o sentido do verbo ser no presente e no plural, portanto, ele é (coletividade), não está morto vive em cada ato de resistência, pois, é um ancestral. O gorro em cone além de ser uma coroa e lembrar o formato do telhado das moradas do Daomé, é uma referência a um conto do orixá Exu que nada carrega sobre sua cabeça, assim, significando que Zumbi viveu para seu povo e tem dignidade ancestral. A obra saiu do atelier para um comprador no mesmo dia em que ficou pronta.

Texto de autoria de Hùnnó Serafim, o idealizador da obra.

Guarabira, 31 de outubro de 2020.



[1] Vicente Fagner Morais Serafim: Bel., Lic. e Me. em Filosofia. Esp. em Arte-Educação. Professor de Filosofia. Coordenador do CCN – Comitê da Consciência Negra Luíza Mahin e Sacerdote Jeje.

[2] Lucas Santos é estudante da 3ª série da Escola Cidadã Integral Técnica Monsenhor Emiliano de Cristo.

[3] Os antigos daomeanos.

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

 

Fonte: https://i.pinimg.com/originals/a9/e1/2b/a9e12ba03db700f822f8b55fff38a631.png


Comemoração do Saci-pererê: fortalecimento da brasilidade e combate à colonização cultural

Hùnnó Serafim

A comemoração do dia do Saci-pererê em 31 de outubro foi uma estratégia encontrada para valorização e fortalecimento do folclore nacional e é um ato de resistência contra o colonialismo cultural. Pois, ao considerar que a importação de produtos culturais tem solapado fatos culturais nacionais, assim, promovendo a perda de identidade cultural, eclipsando a história nacional e provocando uma extensão colonial de modo sorrateiro, urge pensar sobre as ditas celebrações culturais importadas, os estrangeirismos.

Até porque, sabe-se que todo povo necessariamente tem seu folclore que emana de uma dinâmica cultural e, por fim, passando a compor sua história, sua cosmovisão. Esse processo considera as dinâmicas sociais e sua relação com a natureza, já que não desvincula-se da interação homem e ambiente natural. Com efeito, as características geográficas locais são elementares na origem de todo e qualquer processo cultural. Assim, são as najas que adornam coroas faraônicas.

O termo comemoração tem uma profundidade, pois, formou-se a partir de um processo de aglutinação da preposição com, que significa: juntar, estar juntos, ligados, nosso, relação de pertencimento; e memoração do vocábulo memória e da desinência de ato ção, oriundo do termo ação, que, por sua vez, significa presença. Assim posta etimologicamente, o sentido do termo comemoração é celebrar aquilo que faz parte da própria memória, i. e., da própria história.

A troca de manifestações culturais no Brasil evidencia valores coloniais arraigados na sociedade brasileira de supervalorizar produções estrangeiras, dentremente as nacionais. Ao que parece, cada vez mais, é difícil se desvencilhar dessa ideologia colonial cultural. Basta fazer uma consulta rápida inquirindo alguém sobre o nome de filmes a que assistiu; é muito provável que ele cite títulos estrangeiros ignorando a produção nacional ou ao se perguntar se curte filmes nacionais, poderá expressar absoluto desinteresse. O que soa muito estranho, pois, em termos de proximidade, os produtos estrangeiros estão mais distantes espacialmente e há um gasto a mais com licenças, traduções dentre outras formas onerosas, contudo, nada disso é empecilho para atingir o grande público.

Já a produção cinematográfica nacional, por exemplo, é, nos mesmos critérios, espacial e culturalmente mais próxima, infelizmente ainda, é ignorada e, até mesmo desdenhada[1] o que se pode concluir a partir das informações disponíveis nas páginas do sítio da ANCINE (Agência Nacional do Cinema)[2]. Por tabela, o mesmo ocorre com as demais expressões culturais no campo das artes de um modo geral, mencione-se ainda sua ocorrência em muitas expressões linguísticas. Por isso que, repensar e reconhecer o lugar da comemoração do Saci-pererê é um exemplo de exercício de valorização da cultura nacional, de emancipação do pensamento colonial cultural e ato de resistência aos estrangeirismos.

Pois, há que se saber que, o Saci-pererê tem uma origem nacional graças à miscigenação entre etnias que constituem a alma do povo brasileiro. Assim, é uma composição geneticamente mitológica entre o conto indígena e uma afro-caracterização, além de outras referências culturais que compõem a cultura nacional. Por um momento, o Saci-pererê já foi bem reconhecido no imaginário da cultura nacional influenciada pelas obras de Monteiro Lobato cuja série é denominada Sítio do Picapau Amarelo[3] da qual se fez uma versão para TV, dentre outros recursos midiáticos.

Sendo assim, o dia 31 de outubro ao comemorar o Saci-pererê não só intensifica sua identidade cultural ao agregar mais elementos a essa representação genuinamente brasileira, como também, resiste à colonização da mente. Além de garantir nossa emancipação criativa dispensando o con-sumo de ideias que atestam a incapacidade de criação de sua própria história ou revela desdém e, na menor das hipóteses, ignorância de sua própria cultura.

Esse texto não pode ser acusado de bairrismo, pelo simples fato de que, uma coisa é: a) as instituições mencionarem a existência de eventos paralelos ao dia de uma celebração nacional, por uma questão informacional; b) outra coisa, é soterrar uma comemoração mediante supervalorização de um evento cujas origens, muitas vezes, é ignorada pelos próprios proponentes importadores.

As questões vão surgindo:1)quando se tem um pendor para uma cultura externa ao seu país será que isso não atesta um exemplo de pessoa colonizada (mentalmente)?  Se a pessoa é um disseminador de elementos culturais externos não está sendo um instrumento de colonização?  Por que optar pela celebração internacional x e excluir a celebração de um evento de sua própria cultura?

É bem posto um questionamento de alguns estudantes, que diz: “Você quer entrar na minha mente?” Essa questão demonstra a postura não passiva, exprime estado de alerta, o cuidado que eles têm de não terem suas mentes invadidas. Ela revela que a manipulação das mentes é uma realidade e que há necessidade de um zelo com o que se con-sume, pois, o termo consumir significa diluir-se em meio a, fazer parte de, tornar-se igual a, pensar semelhante, em suma é com+sumir= a desaparecer enquanto singularidade e pertencer a um conjunto. A questão é: pertencer a qual conjunto? No caso, a qual povo? Por extensão, pululam as questões: quem sou eu? Onde me formei como sujeito? Com qual povo mantenho existência (traços culturais; a que cultura pertenço)?

Será que por trás dessas situações não estão os objetivos intencionais meramente mercadológicos da venda e da troca de produtos culturais? Já dizia Paulo Freire: “O discurso da globalização que fala da ética esconde, porém, que a sua ética é a ética de mercado e não a ética universal do ser humano[4], ou seja, além do valor monetário trata-se de um processo de massificação e de colonização cultural.

Aos docentes, sobretudo, implica o abandono da operação de modulação das mentes. Com efeito, seu ofício é libertá-las, fazê-las pensar sua cultura, sua história. Nunca direcioná-las à subserviência, pois, isso não é educar, mas catequizar (no sentido jesuíta do termo seiscentista), colonizar, instrumentalizar, adestrar.

É preciso considerar os mitos, as lendas, em suma, o folclore de sua própria gente, a fim de que se possa compreender sua existência como indivíduo e, ao mesmo tempo, como membro de um povo.  Pois, a memória deve ser ativa, que significa não apenas preservar, mas, tomá-la como registro de fatos que devem ser compreendidos em sua gênese, finalidade e consequências. E de um modo mais profundo compreender que “a memória é uma função muito elaborada que atinge grandes categorias psicológicas, como o tempo e o eu. Ela põe em jogo um conjunto de operações mentais complexas[5] que faz coincidir sentir (sensação) e pensar (razão, consciência).

Em conclusão, este artigo discutiu a necessidade que há em avaliar a finalidade de introdução de celebrações estrangeiras em âmbito nacional, o que constitui ato evidente de apropriação cultural. Portanto, este texto é um panfleto de alerta. Citou-se a relação nacional: público e cinema para ilustrar que a tarefa ainda no Brasil é a desvinculação das ideologias resquiciosamente coloniais que persistem no imaginário impedindo a emancipação cultural e a superação de supervalorização do estrangeirismo. 

Vivaxé Saci!

 

 


Onde saber mais:

Ø  Projeto de Lei que institui 31 de outubro Dia do Saci

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=3F1681CE2E36828DEDFDA88D09D6A591.node2?codteor=301007&filename=Avulso+-PL+2479/2003

Ø  Lenda do Saci Pererê: Turma do Folclore

https://www.youtube.com/watch?v=um1WHr1ejow

Ø  Música do Saci Pererê: Turma do Folclore

https://www.youtube.com/watch?v=ljTSqTkaseA

Fonte: https://static.ndonline.com.br/2012/10/31-10-2012-09-48-08-ilustra-saci.jpg

 


[1] AGOSTINHO, A. L.; MESQUITA, M. Cinema brasileiro é ruim? O crescimento da produção nacional e a influência estrangeira. Disponível em: <http://reporterunesp.jor.br/2017/11/14/cinema-brasileiro-e-ruim/>. Acesso em: 27 out. 2020.

[2] https://www.ancine.gov.br/pt-br/sala-imprensa/noticias/ancine-lan-nova-campanha-publicit-ria-pela-valoriza-o-do-audiovisual

[3] O Saci, 1921. É o escrito detalhado dessa personagem.

[4] FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (p. 127).

[5] VERNANT, Jean-Pierre. Mito e pensamento entre os gregos: estudos de psicologia histórica. 2ª Ed.Trad. Haiganuch Sarian. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008 (p. 136).

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Afrodescendência:

Indumentária – Apropriação Cultural, Fantasia e Afro-empoderamento

Hùnnó Serafim[1]

A boa vontade é necessária, mas não suficiente para conduzir o processo de empoderamento. Mais do que isso, é necessária consciência (de sua existência, pelo que se luta e como se luta). Essa reflexão visa contribuir com situações ainda equivocadas, sobretudo (nossa maior preocupação), entre os afro-brasileiros e integrantes do Movimento Negro.

Primeiro, é preciso compreender que os critérios elementares de definição de um afro-brasileiro são necessariamente estes dois: 1)características físicas que remetam a qualquer povo africano e 2)étnicas, nesse mesmo sentido da perspectiva cultural. Depois, é oportuno pensar sobre ações que são realizadas com o objetivo de empoderar, as quais muitas vezes são contraproducentes; uma vez que, ao invés de firmar o que se defende, na verdade revela o quão nociva e racista é a ação. Portanto, há necessidade de se discutir o que é apropriação cultural, fantasia e empoderamento no horizonte do Movimento Negro.


Apropriação cultural é um fenômeno estrutural e sistêmico. Isso significa compreender que ele não pode ser entendido ou problematizado sob o ponto de vista particular, individual. Claro que um indivíduo pode usufruir de apropriação cultural de um grupo ou povo, quando não possui autocrítica ou conhecimento sobre o tema (grifo nosso). No entanto, as consequências desse processo são sempre em nível coletivo, na estrutura: favorecimento do processo de marginalização desses grupos ou povos socialmente invisibilizados e oprimidos inconscientemente.[2]


Assim, o afro-brasileiro que reclama direitos, o pode fazer baseado nos princípios universais dos direitos humanos que são invioláveis sob quaisquer circunstâncias (particularidades). Desse modo, um afro-brasileiro identificado por suas características físicas jamais deve ter suas garantias humanas, que são universalmente instruídas, violadas. Portanto, prescinde de ter qualquer relação evidente ou concentrada com qualquer afro-cultura, em suma, basta ser amparado pelos Direitos Humanos (uma redundância proposital).

Sendo assim, é desnecessário o uso de elementos culturais, como indumentárias, para defender a causa antirracista e ser reconhecido como tal. Embora, tenha havido uma associação em muitas cabeças acríticas de que necessariamente o traje de vestimentas é necessário para toda expressão antirracista. Inclusive há pessoas não negras que são antirracistas (só para lembrar) e não trajam elementos afros.

A indumentária é uma expressão cultural, uma linguagem não-verbal que comunica a cosmovisão do grupo. Portanto, trajar roupas afros não ajuda em nada se seu portador não pertencer a um grupo do qual aquela peça mantenha relação elementar oriunda eximido-se, assim, todo e qualquer tipo de artificialidade (trajar porque é bonito), esta revela uma relação destituída de sentido e promove uma campanha de moda baseada na ideologia racista de cunho exótico, piegas e etnocida.

Como exemplo da indumentária afrodescendentes lastreada em linguagem não-verbal , se pode mencionar que as culturas afrodescendentes preservaram turbantes diferentes, quanto à identidade étnica: os povos yorubás, bantus e fons têm regras diferentes para o uso deles pelas quais se identificam (ou se reconheciam antes dessa mixórdia) a que povo pertencia determinada pessoa negra apenas pela forma de trajar o turbante.

Neste sentido, trajar um elemento cultural é comunicar toda relação histórica da peça, o conjunto de valores de um povo revelando, portanto, sua identidade imediatamente e sua cosmovisão mais profundamente. A partir do momento que seu uso é indevido, porque se ignora o que a peça comunica, se incorre em ação artificial e desqualificante denominada de apropriação cultural.

Nestes termos, se tem uma fantasia (roupa temática, de uso efêmero e sem relação real com usuário), um disfarce (vestes para uma apresentação que não tem relação existencial com seu trajante). Exemplos tão absurdos quanto trajar uma peça indevidamente são: a personagem carnavalesca Negra Maluca[3], as personagens Adelaide[4] e Brit Sprite[5] ou as desnecessárias e distorcidas representações escolares indígenas no dia do índio[6] dentre tantas de natureza similar.

Portanto, caro/a afro-brasileiro/a e militante, se você encampa a luta do Movimento Negro trajando peças colhidas de pesquisas visuais de qualquer cultura africana ou afro-brasileira inexistindo relação de pertencimento entre você e a peça, você está prestando um desserviço a este Movimento sério. Porque, uma coisa é ser pessoa negra fisicamente e outra, culturalmente. E apropriação cultural não tem exceções. Digamos que é uma espécie de plágio étnico (subtração da cultura alheia).

E o que fazer se um afrodescendente quer trajar seguramente uma peça cultural? Primeiro, ele deve procurar um integrante de um grupo ao qual o elemento pertença, instrui-se sobre aquela cultura, associar-se a e assumir-se nela. E no segundo caso, ao desejar trajar uma peça afro, pense bem, pois, ao usá-la apenas uma vez, assuma o compromisso de sempre o fazê-lo rotineiramente, porque, ela não é fantasia para ser usada em certas ocasiões e ser largada por não fazer parte de sua vida, de sua existência. Além de ser este um ato desrespeito aos seus irmãos afros, poderá ser acusado/a de apropriação cultural.

Por fim, reitero que há muitos afro-brasileiros/as e integrantes do Movimento Negro que ainda estão se formando e nós estamos em processo de aprendizagem sempre. Portanto, não custa pensar e ter rotina de estudo!



[1] Hùnnó Serafim, Prof. Ms. Filosofia, Esp. em Arte-Educação, Coordenador do Comitê da Consciência Negra Luíza Mahin (Guarabira-PB), docente da ECITEMEC e Afro-sacerdote Jeje.

[2] RIBEIRO, Stephanie. Afinal o que é apropriação cultura? Disponível em: <https://www. geledes.org.br/stephanie-ribeiro-afinal-o-que-e-apropriacao-cultural/>. Acesso em 17 jul. 2020.


sexta-feira, 1 de maio de 2020


Afrodescendência: Escola, trabalho e vida


A Afrodescendência, como cultura raiz, é o cultivo da ancestralidade. Neste termo, se inclui todo o conjunto de valor assentado nos princípios comunitário, familiar, recíproco, fraterno, de povo. Ancestralidade diz respeito ao modus vivendi mais genuíno que se possa alcançar e de seu desprezo pela exploração do trabalho (exclusiva geração de lucro a qualquer custo). Apesar da ligação com famílias reais, a afrodescendência não deve ser identificada com fatos nos quais dadas circunstâncias a registra como colaboradora de certas exigências desviando-se de seus valores primordiais (participação no processo de regime escravagista intercontinental, por exemplo). Pois, agir isento de liberdade é ser coagido e, portanto, se é absolvido.

Há que se entender que o trabalho deve ser sempre uma atividade consciente: executada compreendendo o processo em sua finalidade. Isso evita a auto-escravização como também a posse do patrão sobre a vida do trabalhador. O nosso sistema escolar que deveria ter esse entendimento como imperativo, ao contrário, a mais das vezes, domestica favorecendo a auto-escravização, além de fomentar que isso é um benefício, pois será que é dever dos discentes levarem para casa diariamente tarefas escolares? É prática comum docentes passarem tarefas para feriadão, fim de semana, etc. será que isso seria correto? Não se estaria fomentando um princípio capitalista? Será que não se está superestimando a vida de estudos e incutindo o desprezo aos outros momentos da vida como o lazer? Será que analogamente não se incute a ideia de que se deva continuar as tarefas do trabalho em casa? Quantas pessoas além de exercer suas atividades laborais no espaço para esse fim ainda o faz no recinto do lar?

Sabe-se que há muitas situações que se deve sacrificar determinadas atividades para o cumprimento de prazos. Mas, o critério justo não seria mediante pacto? Ou quando o sujeito deliberadamente o faz em uma eventualidade nunca rotineiramente? Lembro-me de um dizer de uma tia-avó materna minha, ao me ver estudando aos Domingos: “É pecado estudar no Domingo!” e quando eu a perguntava o porquê, ela respondia: “Porque é dia de descanso!” A compreensão de uma simples mulher do campo, destituída de qualquer grau escolar a fazia mais consciente do que alienada, como é o caso de muitas pessoas “estudadas” que tudo sacrificam pelo lucro do trabalho.

Há várias situações nas quais os pais só enfocam na vida de estudos do filho. Estaria essa redução anulando outras dimensões da existência? Será que o filho não se encontra perdido, abandonado, vulnerável? Será que não se está gerando uma sociedade frustrada e com excelente formação escolar (não cognitiva, mas no sentido de uma exímia mão-de-obra técnica isenta de crítica)? A educação escolar tem um escopo holístico? Duvido! Pois, é comum encontrar muitos bons profissionais sem valores solidários, cosmopolitas e empáticos. Quais os prejuízos ligados à maturidade? Será que se sabe o quão valiosa ela é? O que é maturidade? Será ela uma preocupação dos sistemas educacionais? Será que uma educação que enfoca exclusivamente no domínio tecnocientífico igualmente forma o sujeito?

Essa questão é bem oportuna ao ver pessoas negras advogando a ideia de que há outras pessoas negras se vitimizando, isso atesta ou sua ignorância histórica (cognição) ou seu oportunismo (moral) ou ambas. Só quem nunca viu uma favela, a ignorância de sua formação e falta de curiosidade de saber suas origens e existência é que pode ter atitudes tão bestiais. De outro modo, nem sabe o que é vitimização, algo que para uma mente confusa resistência pode ser a isso reduzida.

Por fim, há pessoas que se esforçam para ter sua casa, por exemplo, mas ao consegui-la a torna dormitório: vive-se no trabalho e visita-se a casa. Se a casa é dormitório, conquistar um lar talvez seja algo metafísico. O diretor David Frankel nos presenteou com o filme O Diabo Veste Prada (2006). Essa obra ajuda a entender que a cultura da nossa vida, da nossa existência nunca deve perder de vista quem se é todos os dias. Deixar para segundo plano as outras dimensões da vida e priorizar somente o trabalho é uma forma inconsciente de se deferir à escravidão laboral. Portanto, abaixo a frase: “minha diversão é o trabalho”, pois esta é indiscutivelmente a coroação da ruína da própria vida. O imperativo categórico da vida é sempre “Carpe diem”!

segunda-feira, 20 de abril de 2020


Afrodescendência e Candomblé

Hùnnó Serafim

Os candomblés são instituições responsáveis por denegrir pessoas (torná-las afrodescendentes). Talvez o banzo, sentimento afrossaudosístico arrastando à morte, tenha sido um dos motivos para o surgimento do candomblé. O fato é que os afrodescendentes resistiram às inúmeras atrocidades a eles impostas e re-existiram como uma nova forma de comunidade. Com isso, dignamente demonstraram o axé, a força, o ânimo de sua vida (no sentido pleno de sua compreensão, sua cosmovisão).

Nesses espaços idiossincráticos foram preservados vários elementos afro-culturais, e.g., língua, organização social, economia, herbolaria, culinária, expressões artísticas, educação, memória, política, religião, dentre outros e, por isso, são referências da afro-existência. Estes espaços foram responsáveis desde o princípio pelo processo de iniciação e sua continuidade pelo qual se restitui a afro-ancestralidade, isto é, o afrodescendente inicia a construção de sua identidade enquanto povo, ao mesmo tempo, é feita a ligação de sua dignidade; em outras palavras, empoderamento. Por fim, ressalte-se, ainda, que nessa prática inexiste proselitismo, já que é uma religião de concepção de povo, étnica, por assim dizer.

Desse modo, o afrodescendente passa de um nada, do ponto de vista de um ser destituído de uma história, a um ser agregado em plena dignidade a um grupo. Pois, nas sociedades tradicionais africanas não se concebem alguém desvinculado de algum grupo, como um andarilho (inclusive algo muito mal visto, como se tivesse sido expulso de seu grupo por transgressão), além do mais, as organizações dos europeus preservavam sua filiação pelo sobrenome.

Há que se frisar que os povos africanos e os de terreiros não entendem religião desvinculada da cotidianidade. Religião para o povo de terreiro é fundante da cultura. Prova disso, que a natureza, a realidade, tem suas forças de domínios denominados de orixás (para os descendentes dos povos yorubás), Nkises (para os descendentes bantus) e voduns (para os descendentes dos ajás, ewes e fons do antigo Reino do Daomé), que são seres regentes dos fenômenos naturais e co-regentes dos fenômenos humanos. Essas divindades têm locais (de “moradas”) específicos em pedreiras, florestas, rios, lagoas, estradas, terra, etc., por isso, que o sagrado é cultuado não apenas no espaço construído (o Terreiro), mas para além; sendo sacrilégio (proibição) atitudes (pensar-ser-agir é uma única coisa) prejudiciais que interfiram na natureza (poluição, sujeira, desmatamento, desperdiço de seus gêneros, acúmulo desnecessário, dentre outros), uma vez que se está desrespeitando o santo regente daquele espaço.

Estas organizações, a mais das vezes, foram instituídas distantes dos centros urbanos por vários fatores que se pode aqui ser recuperados, são alguns deles: a) a reprovação dessas organizações dada a temerosidade subjacente do colonizador que compreendia tais espaços como oportunos para originar levantes, b) inexistência de direitos para afrodescendentes e falta de recursos dos mesmos para obtenção de posse de terras, c) política etnocida, i. e., consideração de que qualquer expressão cultural afrodescendente deveria ser exterminada e, por isso, foi-se ilegalizadas.

Não obstante, se pergunta como conseguiram erguer construções dessa natureza. Tem uma parte pouquíssima evidenciada nas aulas de história que é a escravidão urbana na qual os escravizados eram denominados escravos de ganho. Eles viviam na área urbana e vendiam produtos para cumprir uma meta estipulada pelo seu senhor, o excedente era de sua posse. Muitos escravizados, segundos os historiadores, mantinham a casa grande e o seu próprio sustento. Assim, do excedente, quando se podia, era comprada sua alforria e revertido em outros bens. Também, graças a essa modalidade de regime foram possíveis as articulações de motins que eram orquestrados em plena via pública entre os vendedores ambulantes. 

Outros relatos informam que alguns bens adquiridos se deram por algum tipo de cura concedido por afrodescendente a algum familiar de algum fidalgo; este lhe recompensava com presente de sua liberdade e, à vezes, de algum valor em dinheiro.

Os primeiros candomblés de que se tem registro surgiram no Recôncavo baiano na cidade de Cachoeira (1785) e pasmem: na Rua do Pasto, dentro da área urbana. Além do mais, frise-se a exceção, por fatores diversos aqui ignorados da existência de afrodescendentes influentes e de algum poder aquisitivo como dono de fazenda, é o caso de José Maria de Belchior, o Zé de Brechó (Dadá Runhó), e Seu Ventura.  O primeiro é ligado ao Terreiro do Bitedô (1830) que foi transferido por volta de 1860-70 para Fazenda Xarén, este Terreiro era assistido por Tixareme e Ludovina Pessoa; já Seu Ventura, tinha a mulher iniciada, filha de santo de Ludovina Pessoa que juntas fundaram o Terreiro de Sɛ̀jáhùnɖé (lê-se sejá-undê) na fazenda dele passando a ser também conhecido como Terreiro do Ventura.

Há uma curiosidade histórica da possibilidade do Terreiro do Bogun (fundado por Ludovina Pessoa), em Salvador, está ligado a Revolta dos Malês de 1835, já que Luíza Mahin era da mesma etnia daquela casa de santo e do nome daquele Terreiro carregar na sua identificação a terminação malê.

Pelo exposto algumas questões emergem. Será que se pode desvincular afrodescendência de candomblé ou vice-versa? Há como falar de afrodescendência eximindo o elemento afrorreligioso? Pode se afirmar que o candomblé é uma fonte fidedigna de culturas afro-brasileiras? Por que em um país que se diz democrático, as afroexistências ainda sofrem resistências por parte de poderes públicos ao negar deferência às suas representações, por exemplo? Na sua cidade existiu ou existe manifestação/experiência afrodescendente? De que modo? Qual a postura dos poderes públicos? E das pessoas? E a sua? Você é não-racista (não discrimina e pronto) ou antirracista (combate qualquer forma de racismo)?

O fato é que o candomblé tem sua contribuição memorável no seio da sociedade brasileira em vários aspectos e sentidos. Além do mais, no Brasil, ser afrodescendente biologicamente não basta tem que se tornar culturalmente.


REFERÊNCIAS

GONDINHO, Paula. O futuro é para sempre: experiência, expectativa e práticas possíveis. Disponível em: <https://pgl.gal/paula-godinho-resistir-do-latim-resistere-vem-stare-significa-manter-pe-contrariar-gravidade-seja-esta-na-base-da-nossa-propria-historia-humanos/>. Acesso em: 20 abr. 2020.

OLIVEIRA, Océlio Lima de. O Léxico da Língua de Santo: a Língua do Povo de Santoem Terreiros se Candomblé de Rio Branco, Acre. Disponível em: <http://www2.ufac.br/editora/livros/OLXICO_OCLIO.pdf >. Acesso em: 17 abr. 2020.

YOUTUBE. Gayaku Luiza: força e magia dos voduns. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=Y6TXCfUH4V0>. Acesso em: 20 abr. 2020.

WIKIPÉDIA. Roça do Ventura. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ro%C3%A7a_do_Ventura>. Acesso em: 20 abr. 2020.



Fogueira de Xangô ou Sogbô

Fonte das imagens: https://vogue.globo.com/lifestyle/cultura/noticia/2016/12/candomble-e-tema-de-pinturas-raras-de-carybe.html

sexta-feira, 17 de abril de 2020









                                                                                      Imagem 2:  Mãe Gisele Omindarewá

             Imagem1: Seu João Engomador


Pai/Mãe DE SANTO ou Zelador/a?

Talvez inspirados no Reverendo Bàbálawo Prof. Agenor Miranda (1907-2004), inclusive há um vídeo em circulação pública no qual ele defende veemente a ideia de que se troque o título Pai/Mãe DE SANTO por Zelador/a. É muito comum as pessoas de candomblé, de certas regiões do país, adotarem a indicação do Prof. Agenor. É indiscutível para nossa tradição que Prof. Agenor é uma lenda, assim como Mestre Didi (1917-2013). Contudo, analise-se etimologicamente as referências desses termos em algumas líguas africanas legadas no candomblé, além de nos empreendermos em seu contexto histórico.

Em iorubá, língua utilizada nos candomblés nagôs e ketu, Pai de Santo se diz: Bàbálorixá, no qual Bàbá significa Pai e lorixá literalmente significa força da cabeça , entendido como Santo para o povo dessa nação de candomblé: orixá. O mesmo se aplica ao termo Mãe de Santo. Assim, se tem Ìyálorixá, na qual a palavra Ìyá signfica mãe e lorixá igualmente a explicação anterior. E não para por aí, pois há outros cargos que seguem uma ordem semelhante: Bàbákekere (Pai Pequeno) e Ìyákekere (Mãe Pequena), Bàbáegbé (Pai da comunidade), Ìyálaxé e Bàbálaxé, Bàbáefun e Ìyáefun.

O candomblé Jeje apresenta uma complexidade em relação aos termos Pai e Mãe de Santo. O termo genérico é Hùngbónò etimologicamente Hùn significa vodun, espírito e, por equivalência à língua portuguesa, Santo. O termo  significa mãe, filologicamente em lato sensu, aquele que gera incluindo, por conseguinte, o sentido pai ao vocábulo. O termo médio gbó refere-se à maioridade, à sabedoria pela experiência de vida, pois em África indica a senilidade, a maturidade de uma pessoa. Portanto, inexiste hùngbónà cuja terminação, neste caso, é uma associação daquele termo fon com a desinência de indicação de gênero feminino segundo a gramática de língua portuguesa que em sua maioria grafa com a letra a, menino versus menina.

Após explicação do termo genérico tradicional do candomblé Jeje Mahin, passe-se aos termos específicos. É o caso de Dotέ para os sacerdotes que não são iniciados para algum vodun da família de Gbέsén (Dan). O termo feminino correspondente é Donέ. Ao sacerdote ou à sacerdotisa iniciado para algun vodun da família de Gbέsén dá-se o termo de Mεjitɔ̀. Sua explicação etimológica é mε: pessoa  : gerar, originar e tɔ̀: aquele/a. Assim, literalmente: aquele/a pessoa que gera ou aquele/a que gera pessoa, por extensão, o pai ou a mãe geradora e ainda, o pai ou mãe gerador de pessoa ligado à água, já que jì indica chuva como na explicação entre Ji-vodun e Toy-vodun. Por fim, o termo exclusivamente feminino no Brasil para sacerdotisas que se tornou genérico semelhante ao Dotέ é  Gayaku. Este termo é usado exclusivamente para as sacerdotisas Jeje Mahin no Brasil.

Há que se entender que DE-SANTO é um qualificador, um adjetivo. Se diz: Pai/Mãe DE-SANTO para qualificar o substantivo e sua relação. Por exemplo: Pai/Mãe biológico, adotivo, DE-SANTO, etc. e ainda Casa DE-SANTO, quarto DE-SANTO, roça DE-SANTO, roupa DE-SANTO, comida DE-SANTO, filho DE-SANTO, irmão DE-SANTO, família DE-SANTO, povo DE-SANTO, ferramenta DE-SANTO, festa DE-SANTO, língua DE-SANTO, a vida DE ou no SANTO, etc. Portanto, foi uma interpretação equivocada da preposição de, que tem vários sentidos na gramática da língua portuguesa que foram ignorados e, consequentemente, teve um uso generalizado ao sentido genitivo.

Outra consideração é quanto ao contexto histórico. Sabe-se que o termo Pai-de-santo ou Mãe-de-santo está arraigado na cultura afro-brasileira para se referir, identificar e dignificar as autoridades sacerdotais do Candomblé. Direito e respeito conquistado com muito esforço para se manter viva as culturas dos povos afrodescendentes. Até porque a separação entre existência (ou cultura) e religião é criação dos europeus, talvez por terem a religião cristã que não brotou da sua própria cultura, mas foi trazida de fora, um elemento estranho, que pode ter sido preservado em seu seio cultural tal pressuposto admitindo o culto cristão de forma artificial.

Os povos africanos sempre tiveram originariamente suas religiões de caráter étnico, isto é, não existe separação entre religião, crença, fé e a vida quotidiana. Porquanto, é outro erro dizer que "se cultua as forças da natureza". Cultua-se espíritos (Orixás, Nkises, Vodun) conscientes que regem as forças da natureza. Para o povo de santo e para os povos africanos esses espíritos são as leis da naturezas, são comandantes.

Alguns Pais e Mães de santo são de linhagens reais. Pois, se sabe que a Ìyá Nassô Oká fundadora da Casa Branca tem essa dignidade. A fundadora do Terreiro do Bogun e da Roça de Sé Ejá Hùndè, Ludovina Pessoa foi uma rainha livre que veio fundar esses candomblés. São, portanto, mães, com efeito, geraram e nutriram sua comunidade com a cultura (valores, cosmovisão) de onde vieram.

No catolicismo se diz Padre (pai) e Madre(mãe). Por que o candomblé não pode reconhecer maternidade e paternidade? É por isto que se é recolhido para o processo iniciático: para aprender com o Pai ou Mãe de santo os segredos, os mistérios da fé.

Sempre que utilizar meus textos cite nas suas referências:
HÙNNÓ-SERAFIM. Pai/Mãe de Santo ou Zelador/a? Disponível em:<http://zeniste.blogspot.com/2020/04/paimae-de-santo-ou-zeladora-talvez.html?m=1>. Acesso em: dia em algarismo mês apenas as três primeiras letras e ano (Exemplo para hoje: 17 Abr. 2020).

Imagem 1: Acervo do autor
Imagem 2: Disponível em:<https://pt.wikipedia.org/wiki/Giselle_Cossard#/media/Ficheiro:Omindarewaeogum.jpg>. Acesso em: 17 Abr. 2020.


REFERÊNCIAS
CAMARGO, Andreia. O livro dos Deuses Vodun: os mistérios revelados. 3ªed. E-book, 2015.

OLIVEIRA, Océlio Lima de. O Léxico da Língua de Santo: a língua do povo de santo em terreiros de candomblé de Rio Branco, Acre.  Disponível em: <http://www2.ufac.br/editora/livros/OLXICO_OCLIO.pdf>. Acesso em: 17 Abr. 2020.

WIKIPÉDIA. Deoscóredes Maximiliano dos Santos. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Deosc%C3%B3redes_Maximiliano_dos_Santos>. Acesso em: 17 Abr. 2020.


__________. Agenor Miranda. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Agenor_Miranda>. Acesso em: 17 Abr. 2020.