Afrodescendência:
Indumentária
– Apropriação Cultural, Fantasia e Afro-empoderamento
Hùnnó
Serafim[1]
A boa vontade é necessária, mas não
suficiente para conduzir o processo de empoderamento. Mais do que isso, é
necessária consciência (de sua existência, pelo que se luta e como se luta).
Essa reflexão visa contribuir com situações ainda equivocadas, sobretudo (nossa
maior preocupação), entre os afro-brasileiros e integrantes do Movimento Negro.
Primeiro, é preciso compreender que os
critérios elementares de definição de um afro-brasileiro são necessariamente
estes dois: 1)características físicas
que remetam a qualquer povo africano e 2)étnicas,
nesse mesmo sentido da perspectiva cultural. Depois, é oportuno pensar sobre
ações que são realizadas com o objetivo de empoderar, as quais muitas vezes são
contraproducentes; uma vez que, ao invés de firmar o que se defende, na verdade
revela o quão nociva e racista é a ação. Portanto, há necessidade de se
discutir o que é apropriação cultural, fantasia e empoderamento no horizonte do
Movimento Negro.
Apropriação cultural é um
fenômeno estrutural e sistêmico. Isso significa compreender que ele não pode
ser entendido ou problematizado sob o ponto de vista particular, individual. Claro
que um indivíduo pode usufruir de apropriação cultural de um grupo ou povo, quando
não possui autocrítica ou conhecimento sobre o tema (grifo nosso). No entanto,
as consequências desse processo são sempre em nível coletivo, na estrutura:
favorecimento do processo de marginalização desses grupos ou povos socialmente
invisibilizados e oprimidos inconscientemente.[2]
Assim, o afro-brasileiro que reclama direitos, o pode fazer baseado nos princípios universais dos direitos humanos que são invioláveis sob quaisquer circunstâncias (particularidades). Desse modo, um afro-brasileiro identificado por suas características físicas jamais deve ter suas garantias humanas, que são universalmente instruídas, violadas. Portanto, prescinde de ter qualquer relação evidente ou concentrada com qualquer afro-cultura, em suma, basta ser amparado pelos Direitos Humanos (uma redundância proposital).
Sendo assim, é desnecessário o uso de
elementos culturais, como indumentárias, para defender a causa antirracista e
ser reconhecido como tal. Embora, tenha havido uma associação em muitas cabeças
acríticas de que necessariamente o traje de vestimentas é necessário para toda
expressão antirracista. Inclusive há pessoas não negras que são antirracistas
(só para lembrar) e não trajam elementos afros.
A indumentária é uma expressão cultural, uma
linguagem não-verbal que comunica a cosmovisão do grupo. Portanto, trajar
roupas afros não ajuda em nada se seu portador não pertencer a um grupo do qual
aquela peça mantenha relação elementar oriunda eximido-se, assim, todo e qualquer
tipo de artificialidade (trajar porque é bonito), esta revela uma relação
destituída de sentido e promove uma campanha de moda baseada na ideologia
racista de cunho exótico, piegas e etnocida.
Como exemplo da indumentária afrodescendentes
lastreada em linguagem não-verbal , se pode mencionar que as culturas
afrodescendentes preservaram turbantes diferentes, quanto à identidade étnica:
os povos yorubás, bantus e fons têm regras diferentes para o uso deles pelas
quais se identificam (ou se reconheciam antes dessa mixórdia) a que povo
pertencia determinada pessoa negra apenas pela forma de trajar o turbante.
Neste sentido, trajar um elemento cultural é
comunicar toda relação histórica da peça, o conjunto de valores de um povo
revelando, portanto, sua identidade imediatamente e sua cosmovisão mais
profundamente. A partir do momento que seu uso é indevido, porque se ignora o
que a peça comunica, se incorre em ação artificial e desqualificante denominada
de apropriação cultural.
Nestes termos, se tem uma fantasia (roupa temática, de uso efêmero e sem relação real com usuário), um disfarce (vestes para uma apresentação que não tem relação existencial com seu trajante). Exemplos tão absurdos quanto trajar uma peça indevidamente são: a personagem carnavalesca Negra Maluca[3], as personagens Adelaide[4] e Brit Sprite[5] ou as desnecessárias e distorcidas representações escolares indígenas no dia do índio[6] dentre tantas de natureza similar.
Portanto, caro/a afro-brasileiro/a e militante, se você encampa a luta do Movimento Negro trajando peças colhidas de pesquisas visuais de qualquer cultura africana ou afro-brasileira inexistindo relação de pertencimento entre você e a peça, você está prestando um desserviço a este Movimento sério. Porque, uma coisa é ser pessoa negra fisicamente e outra, culturalmente. E apropriação cultural não tem exceções. Digamos que é uma espécie de plágio étnico (subtração da cultura alheia).
E o que fazer se um afrodescendente quer
trajar seguramente uma peça cultural? Primeiro, ele deve procurar um integrante
de um grupo ao qual o elemento pertença, instrui-se sobre aquela cultura,
associar-se a e assumir-se nela. E no segundo caso, ao desejar trajar uma peça afro,
pense bem, pois, ao usá-la apenas uma vez, assuma o compromisso de sempre o
fazê-lo rotineiramente, porque, ela não é fantasia para ser usada em certas
ocasiões e ser largada por não fazer parte de sua vida, de sua existência. Além
de ser este um ato desrespeito aos seus irmãos afros, poderá ser acusado/a de
apropriação cultural.
Por fim, reitero que há muitos
afro-brasileiros/as e integrantes do Movimento Negro que ainda estão se
formando e nós estamos em processo de aprendizagem sempre. Portanto, não custa
pensar e ter rotina de estudo!
[1] Hùnnó Serafim, Prof. Ms. Filosofia, Esp. em Arte-Educação, Coordenador do Comitê da Consciência Negra Luíza Mahin (Guarabira-PB), docente da ECITEMEC e Afro-sacerdote Jeje.
[2] RIBEIRO, Stephanie. Afinal o que é apropriação cultura? Disponível em: <https://www. geledes.org.br/stephanie-ribeiro-afinal-o-que-e-apropriacao-cultural/>. Acesso em 17 jul. 2020.
[3] https://imgsapp2.correiobraziliense.com.br/app/noticia_127983242361/2017/02/19/574394/20170216181348643430i.jpg
Nenhum comentário:
Postar um comentário