terça-feira, 13 de julho de 2021

 

Fig. 01

O FESTIVAL DA COLHEITA DO MILHO NO BRASIL E A INTERETNICIDADE

Por Hùnnó Serafim

As celebrações de colheitas são muito antigas e perduram em muitas culturas. Expressas de forma religiosa ou folclórica, o fato é que as manifestações culturais percebidas por meio de canto, danças, músicas, pinturas, indumentária, encenações, dentre outras, têm suas finalidades, dentre as quais: 1) a externação da alegria proveniente da obtenção dos frutos, após longo tempo de árduo trabalho (sentimento de gratidão) e 2) a comemoração de momentos semelhantes a esses de outras edições pretéritas e a saudade causada pela ausência de entes queridos pela distância ou falecidos.

É comum a rememoração da pobreza presente nas representações de roupas remendadas. Além do enaltecimento da simplicidade e retorno a um momento histórico transposto nos utensílios de cerâmicas (pote de água), madeira (colheres de pau), palhas (como abanos e peneiras), roupas de chita (estampas florais ou xadrez), alpercatas de couro, chapéus de palha, tranças, vestidos com babados, sardas e casa de taipa. 

Assim é o Festival do Milho no Brasil, sobretudo, na Região Nordeste. no qual foram preservadas distintas formas culturais que sugerem ser uma única expressão de origem genuína nacional. Porquanto, ser preciso que a diversão seja compreendida como uma representação de momentos históricos afins. Aleiar-se aos sentidos dessa rica manifestação, é correr o risco de acrescenta-lhe elementos que desvirtuariam a narrativa históricada noss identidade ao mergulhar na ignorância fatos que foram acumulados por circunstâncias históricas interligadas a tais processos. Então,

1) As Quadrilhas[1] (do francês, quadrille, dança de quatro casais) representam uma grande festa matrimonial, com imperativos franceses anarriê ( en arrière - para trás)[2], Changê (changer/changez – trocar/troquem o par)[3]alavantu ('en avant tous', para frente, prenuncia a coreografia e ordena os casais tomarem posição à frente, se aproximando uns dos outros para se cumprimentarem)[4], Cumprimento ‘vis-à-vis’ (cumprimento frente a frente)[5], Otrefoá (autre fois – repetir o passo anterior)[6] Balancê (balancer – balançar o corpo, marcando o passo, não saindo do lugar)[7]. É utilizado em forma de grito de incentivo “e é repetido quase todas as vezes que termina um passo. Quando um comando é dado só para os cavalheiros, as damas permanecem no Balancê. E vice-versa”)[8], Returnê (returner – retornar aos seus lugares)[9]. Tur (tour – Dar uma volta: o cavalheiro abraça com a mão direita a cintura da dama. Ela põe o braço esquerdo no ombro dele e fazem um giro completo à direita)[10].

2) Os Arraiás, uma variante do termo arraial, cujo significado é "de origem medieval proveniente da conjugação do árabe al com o qualificativo raial que evoluiu para real, ou seja, próprio do rei. Originalmente, era empregado para qualificar as áreas ocupadas transitoriamente pelas tropas do monarca e, como tal, eram consideradas propriedade real temporária. No período colonial, esse termo foi ressuscitado com o significado de terreno apossado em nome do rei, pelos reinóis, como os colonizadores gostavam de ser tratados" [11].

3) As fogueiras são indícios dos mais remotos tempos e modo simbólico de celebração, pois, ao seu redor clãs se reuniam “para agradecer pela fertilização da terra e pelas fartas colheitas”[12] se aquecer, contar história, cantar, dançar, se alimentar. Pois, o fogo tem uma forte representação para comunidades tradicionais, por causa de sua importância para vida e do aprendizado de sua obtenção. Este princípio ainda existe nos candomblés e posto pelo catolicismo como uma forma encontrada por Santa Isabel de avisar a sua prima, a mãe de Jesus, que ela dara à luz a São João, o Batista.

4) Os balões foram adicionado mais recentemente, se comparados em relação à fogueira por exemplo, significando o início da festa (atualmente são proibidos por lei os que usam fogo como motor).

5) As bandeiras servem de demarcação do espaço e do tempo festivo. Cumprem a finalidade decorativa significando que a determinado momento ali ocorrerá uma comemoração. Suas cores e formatos também comunicam pensamentos sendo compreendidos naquela circunstância.

6) Os Fogos de artifícios anunciam aos distantes por meio do som (num período mais antigo, quando inexistia o recurso luminoso deles) e da luz (mais recente) a festa. Ainda, revelam a alegria expressando gratidão, beleza e o domínio de sua obtenção pelos seres humanos.

7) A culinária apresenta a criatividade das várias possibilidades de se nutrir do milho desentediando o paladar através da oferta de vários sabores: cuscuz, canjica, pamonha, curau, polenta, milho assado, munguzá (nas versões, doce e salgado), pamonha assada, bolo de milho, farinha de milho, sorvete, pipoca, milho cozido, xerém, e tantas outras gostosuras nessa descrição, não contempladas.

A parte religiosa se alterna entre os elementos católicos e afrodescendentes. Naqueles por meio das novenas e dia dos santos: Santo Antônio (13 de junho), São João (24 de junho), São Pedro e São Paulo (29 de junho) e Santa Ana (último sábado de julho). Os afrodescendentes sincretizaram suas comemorações vinculadas a algumas dessas datas. Assim, os Terreiros celebram a fogueira de Xangô (para os descendentes yorubás), Zázi (para os descendentes bantus) e Sobô (para os descendentes dos povos ajá, ewe e fon) com sua família (sua rainha Oyá e filhos: Loko, Badé e Avekête) além do seu clã.

As simpatias também têm seu lugar garantido. Para os religiosos, em largo sentido, são ritos que permitem previsões de participarem do festival do ano seguinte, de descobrir se casará, de começar um namoro e de assegurar a pessoa amada.

Frise-se também a existência da Rainha do Milho. Esta é um exemplo de mito, pois um ser feminino, representação da energia responsável pela fertilidade de todos os seres (sementes, terra, água e luz solar dentre outros) e fenômenos (chuva lavragem da terra, por exemplo) que concorreram para produção da colheita, explica e coroa o motivo da festa.

A partir do exposto, pode-se concluir que, no atinente ao nome da celebração, não é correto dizer festas juninas, primeiro porque se trata do festival da colheita do milho, depois porque ultrapassa o mês de junho. Nem é variante linguística do termo joanina para junina relativa a São João, pois, se trata de uma festa não católica, inclusive são comemorados outros santos pela própria igreja nesse mesmo período, além de ter as liturgias dos povos de terreiros concomitantes, conforme mencionado.

 



[1] https://francesobjetivo.com.br/quadrilha-tradicao-da-cultura-francesa/

[2] Ibdm.

[3] Ibdm.

[4] https://brainly.com.br/tarefa/28387729

[5] https://francesobjetivo.com.br/quadrilha-tradicao-da-cultura-francesa/

[6] Ibdm.

[7] Ibdm.

[8] Ibdm.

[9] Ibdm.

[10] Ibdm.

[11] http://lhs.unb.br/atlas/Arraial

[12] https://mundoeducacao.uol.com.br/festa-junina/simbolos-juninos.htm

Fig. 01 24 de abril, Dia Internacional do Milho - Ourofino Agrociência

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