terça-feira, 13 de julho de 2021

 

Tereza de Benguela


JULHO DAS NOSSAS HEROÍNAS

Por Hùnnó Serafim

A história nacional, conforme Beatriz Nascimento (1942-1995), foi escrita omitindo os fatos culturais relacionados à população afrodescendente para além do episódio da escravidão, sem retratar a população indígena e romantizando o processo de colonização portuguesa.

Assim, é preciso, consoante Carolina de Jesus (1914-1997), refazer a história brasileira inserindo narrativas sobre essas existências, de acordo com seu pensamento: “Vou escrever um livro referente a favela. Hei de citar tudo que aqui se passa. E tudo que vocês me fazem. Eu quero escrever o livro, e vocês com estas cenas desagradáveis me fornece (sic) os argumentos.” Se tentaram aniquilar a existência dos heróis afrodescendentes, por meio do silenciamento, utilizando o extermínio de dados que assegurariam seu lugar na história, ação essa, cujo objetivo era evitar a inspiração de novos levantes, imagine o afro-heroísmo feminino em uma sociedade patriarcal.

Mulheres como Acotirene (séc. XVII), Aqualtune (séc. XVII), Dandara (?-1694), Zeferina (séc.XIX), Zacimba Gaba (séc. XVII-XVIII) e tantas outras grandes líderes foram excluídas dos registros oficiais com a finalidade de construir, no imaginário nacional, a figura de que as pessoas negras não só nasceram para ser escravas[1] como aceitavam, de bom grado, essa condição, sendo os episódios de insurreição divulgados como fatos isolados que não representavam uma ideia coletiva e, assim, nem eram ameaçadores. 

O Movimento Negro surgiu concomitantemente ao advento do sistema de escravidão transatlântico seguindo suas manifestações, objetivos específicos. Pois, ao se entender Movimento Negro como ato de resistência dessas pessoas contra a qualquer tipo de violência a elas dirigida, é possível elencar diferentes estratégias: fuga, luta, suicídio, envenenamento, abortamento, compra de alforrias, criação de instituições (como os quilombos, as irmandades e os Terreiros) e outras formas.

Frente a essas estratégias, estavam as mulheres, a exemplo das cinco líderes mencionadas acima no terceiro parágrafo e, aqui em relevo, algumas fundadoras de Terreiros como as africanas de distintas etnias: Ludovina Pessoa[2] (BA – séc. XIX), Tia Ignês Ifatinuké[3] (PE – séc. XIX), Ná Agontimé[4] (MA – séc. XVIII), Iyá Nassô[5] (BA – séc. XIX) Gaiaku Rosena[6] (séc. XIX), dentre outras lideranças. Com efeito, é preciso entender que os Terreiros são espaços concretizados das ideias afrodescendentes e, portanto, expressão de resistência e de preservação cultural. Nestes locais, restituem-se a configuração adaptada da organização dos grupos étnicos originais, sua cultura.

Outras mulheres, estas afro-brasileiras, merecem igual atenção nesse processo de resistência. São elas: Esperança Garcia (1751-?) primeira mulher advogada do Piauí, a paraibana Gertrudes Maria[7] (XIX) que lutou na justiça pelo seu direito de liberdade e de sua prole, a sambista Tia Ciata (1854-1924), Maria Firmina (1826-1917) escritora maranhense, a política Antonieta de Barros (1901-1952), a musicista Chiquinha Gonzaga (1847-1935), a sacerdotisa e musa Gaiaku Luíza (1909-2005) que inspirou Dorival Caymmi e Carmen Miranda descrita na música “O que que a baiana tem?” e Anastásia (1740-?) ícone de devoção popular brasileira. Essas mulheres atingiram outros espaços negados aos seres humanos descendentes de povos africanos. Ao mesmo tempo, garantiram a inserção da dignidade das pessoas afrodescendentes em outras instâncias da cultura nacional, desconstruíram preconceitos e alimentaram as bases da cultura brasileira a ponto de se constituírem referências na cultura nacional.

Por fim, mencione-se outras autoras de maestria e façanha em atos de liderança, é o caso de Maria Felipa (?-1873), Adelina (séc. XIX) – a Charuteira, Maria Aranha (1720-1780), Tia Simoa (séc. XIX), Tereza de Benguela (?-1770) “Em 1770, ela foi morta por soldados do Estado. Em sua homenagem, no dia 25 de julho se celebra o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra no Brasil[8], Eva Maria de Bonsucesso (séc. XIX), Mariana Crioula (séc. XIX), Rainha Marta (séc. XIX), Mãe Stella (1925-2018), Luíza Mahin (séc. XIX) e aquela estrela que está entre nós, da qual ainda se pode desfrutar de sua singular riqueza cultural face a face: Lia de Itamaracá.   

Por todas essas e tantas outras heroínas que seguem ignoradas, como forma de reconhecimento das ações dessas mulheres, igualmente o fortalecimento da luta de tantas outras, especificamente contra a violência racista, e tendo a finalidade na construção de uma sociedade mais justa, foi sancionada a Lei 12.987/2014 que instituiu no Brasil o dia 25 de julho como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.

 

Vivaxé Tereza de Benguela! Vivaxé todas as nossas heroínas!

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei 12.987, de julho de 2014. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12987.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2012.987%2C%20DE%202%20DE%20JUNHO%20DE%202014.&text=A%20PRESIDENTA%20DA%20REP%C3%9ABLICA%20Fa%C3%A7o,anualmente%2C%20em%2025%20de%20julho.&text=2%C2%BA%20Esta%20Lei%20entra%20em%20vigor%20na%20data%20de%20sua%20publica%C3%A7%C3%A3o.>. Acesso em: 13 Jul. 2021.

CÂMARAMUNICIPALDEVASSOURAS. Mariana Crioula. Disponível em: <https://rmirandas.wixsite.com/identidafrica/single-post/2018/11/10/Mariana-Crioula?_amp_>. Acesso em: 02 Jul. 2021.  

GONÇALVES, Patrícia. 17 mulheres negras que lutram contra a escravidão. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/17-mulheres-negras-brasileiras-que-lutaram-contra-escravidao/>. Acesso em: 02 Jul. 2021.

 IBIRAPITANGA. Três pontos de encontro entre mulheres negras e a história brasileira. Disponível em: <https://www.ibirapitanga.org.br/historias/mulheres-negras-e-historia-brasileira/>. Acesso em: 02 Jul. 2021.

JORNALCINCO. 18 Mulheres negras que lutram contra a escravidão. Disponível em: <https://jornalcinco.com.br/2019/03/mulheres-que-lutaram-escravidao/>. Acesso em: 02 Jul. 2021.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. Negras e históricas: por que elas foram apagadas do livro da escola. Disponível em: <https://www.uol.com.br/universa/colunas/2021/04/24/negras-e-historicas-por-que-elas-foram-apagadas-dos-livros-da-escola.htm>. Acesso em: 02 Jul. 2021.

SPAGNA, Julia Di. 8 mulheres negras que fizeram história no Brasil. Disponível em: <https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/8-mulheres-negras-que-fizeram-historia-no-brasil/>. Acesso em: 02 Jul. 2021.   

Imagem 1: https://www.brasildefatomg.com.br/2019/07/25/editorial-or-um-brasil-de-terezas-de-benguela

Imagem 2:https://esma.tjpb.jus.br/noticias/2018/12/desembargador-marcos-cavalcanti-lancara-romance-historico-juridico-a-preta-gertrudes-dia-14-deste

[1] Substantivo mesmo, pois, o qualificador escravizado é uma correção atual

[2] Tinha ligação com os Terreiros: Bitedô (Roça de Cima), Sejá Undê e Bogun Cachoeira e Salvador (o último) – BA

[3] Fundadora do Terreiro do Sítio do Pai Adão no Recife

[4] Fundadora do Terreiro Casa das Minas em São Luís – MA

[5] Uma das fundadoras da Casa Branca situado em Salvador – BA

[6] Fundadora do Terreiro Kpodagbá (pron. Pódabá) Rio de Janeiro

[8] SPAGNA, Julia Di


Gertrudes Maria

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