Crítica Literária
Da
Obra Meu Desabafo
Runon Serafim
“Eu pensei: minha vida vai mudar!”
Os
antigos gregos chamavam thaumazein
(θαυμάζειν) fenômenos sublimes e
importantes. Os latinos o traduziram por admirāri
legando aos falantes da língua
portuguesa e expresso como admiração, cuja experiência e ser tomado pela surpresa do olhar que
contempla minuciosamente envolvendo seu espectador num êxtase jamais vivido e
repetido: o maravilhamento. Assim são as obras inéditas: arrebatadoras, extraordinárias,
porque rompem com o status quo, propondo um compromisso avaliador do mundo e reivindicando
um outro ainda melhor, no qual a diferença não e impedida de ser admirada e
enaltecida, ao contrário, e fomentada.
Da
obra, Meu Desabafo, infinitas leituras são possíveis graças a profundidade de
sua organização. Ela e in
limine um testamento no qual muitas vidas
estão imbricadas. Um registro histórico pontualmente do habitat guarabirense se
estendendo aos limites deste Estado, por fim, confundindo-se com o acervo
nacional. E ainda, um convite a pensar sobre a vida ensejado pelos motes dos aspectos
sociais e econômicos e proporcionando uma meditação acerca da empatia, da reciprocidade
do cuidado, da caridade.
O
idealizador da obra e um incansável homem, caucasiano, europeu – na verdade,
mais brasileiro que muitos – e fundador de uma instituição cuja missão e
salvaguardar a vida. Sua dedicação revela que ser
humano e fazer coincidir o oficio da
liberdade no seu modo de ser e instilá-lo. Some-se a isso, a demonstração de
que ser humano, mesmo, e não ter pátria ou qualquer outro rotulo, mas, e estar
entre seus semelhantes perseguindo a garantia das vidas em assunção do lugar no
qual se encontra considerando-o como lar. E, nessa sensibilidade, foi capaz de
atender, uma vez mais, ao apelo de ser Pai
de muitos, além daquele já garantido pelo sim
a sua vocação religiosa, que, ora faz confundir paroquianos e amecianos,
descendentes da AMECC, e seus adjutores.
Como
se sabe, a esperança do mundo e dos humanos reside nas palavras aliadas a ações.
Falatório, retorica e jogos de linguagens são fugas, recursos menosprezantes e
desprezíveis. Pois, a palavra, por si só, goza de uma forca muito própria e
estupenda, ela inter-rompe, porque e autentica. E é nesta inter-ferência que
se dá a criação, o novo ganha vida! Com efeito, o silencio ou outro discurso foi
quebrado, em prol daquela palavra que e a fala da realidade se manifestando
através de alguém, seu mensageiro. Assim como a palavra se apropria de outro
recurso, escrever e uma solução habilidosa e cortes de inscrever-se no seio
dos outros e assegurar sua existência no mundo, pondo ambos sob um influxo.
Neste lastro, afinados estão Carolina Maria de Jesus (1914-1977), Deodato e tanto
outros Cíceros em suas escrevivências.
Meu Desabafo e
uma obra polissêmica que reúne diferentes vozes comunicando através de imagens e
escritos existências singulares que, em conjunto, são um projeto de mundo
civilizadamente caritativo, contendo todos os fatos sofridos e silenciados, porém,
agora, igualmente, expostos fitando o seu êxito com base na experiencia filantrópica.
Meu Desabafo e uma lição ambígua que, por um lado, e uma coleção de
relatos evidentes de uma realidade dura e cruel de denegação e o tolhimento de
vez e voz, por outro, e o meio pelo qual a ressonância da fala desses autores
nunca foi silenciada, posto que, aguardava sua amplificação para ser ouvida e
descoberta por aqueles que, a essas vozes, se juntam em uníssono. Ratifique-se
que abafar a fala, calar a boca à revelia, não permitir dizer e inumano.
Felizmente
há outros meios de exprimir as necessidades, de narrar o que se sente, de dizer
o que se pensa, de declarar sonhos. E Cicero o fez muito bem! Uma vez que, alçou
mãos da pintura e da escrita. Estas revelam muito do mundo daquele jovem, a
começar pela relação etária e a simplicidade do uso da linguagem evidenciando
sua pouca escolaridade, uma flagrante ausência de políticas públicas ou de sua
inexpressiva ingerência, sobretudo, para jovens, os quais, esse estado de coisas,
só ampliam a vulnerabilidade. Não obstante, ressalte-se, neste jovem, sua
postura corajosa e firme transcendendo todas as condições mortificantes pela fé
na esperança.
Na
figura de Deodato está contemplada a população negra deste pais, vítima de uma herança
colonial resistente e, agora, vacilante; mas, acima de tudo, um contributo
desumano e caduco. A expressão Deodato
configura franco exemplo de cultura
solidaria visando o bem comum e ate mesmo o Sumo Bem, manifesta na conquista do
Conselho Municipal de Crianças e Adolescentes de Guarabira, na aplicação da
Teologia a vida cotidiana como uma liturgia atuante e na instituição da Associação
Menores com Cristo (AMECC). Assim, a profecia de Deodato na epigrafe se consolidou,
ao passar de um cárcere frio na experiência dos abandonos e ao “refugio” da
rua, dos desafetos familiares, da ausência de um lar e do cárcere literal a
liberdade concretizada no abrigo PADRE-AMECC.
Nesses
passos, fica fácil de compreender que a vida de alguém sempre está enredada a
outras, logo a decisão de um afeta possivelmente tantas outras. Foi o caso da
existência Deodato que suscitou e promanou a resposta AMECC no seio de seu
fundador, que ao abraçar a ideia, não se deu conta que sua lida o conduziria ao
cultivo de vidas que se entrelaçariam para sempre a sua própria. À medida que
tudo isso ganhava folego, se nota que se requisita, constantemente, um solo fértil,
autossuficiente e muitas vezes só na companhia do invisível (planos) e de sua fé,
a fim de dar conta de sua seara. Portanto, um Novo Dom Bosco, por assim dizer,
entra em cena. Sem comparações, pois, todos são singulares, porém, uma ilustração
melhora nossa compreensão.
Ainda
no tocante a Deodato, ele e aquela porta que permite a sua localidade a pensar
sobre questões de justiça social, dignidade humana, vivencia real de princípios
éticos e religiosos, em suma, arriscar-se na investida da complexidade humana,
tanto na busca pela sua compreensão, quanto no apoio necessário a sua realização
(a própria e a dos outros). Com efeito, Cicero Deodato se revela como “o homem,
determinado pela vontade de marcar no mundo exterior o cunho do seu espirito para
nele se reconhecer, busca exprimir sensivelmente numa forma adequada a
universalidade que concebe, a liberdade que aspira, a infinitude que o
constitui”
Os
percalços pelos quais passou, os quais jamais mencionou em público, levando
consigo para sempre, podem ser encontrados aí em suas obras ao modo de
palimpsesto e pentimento por especialistas e estudiosos que nelas se debruçarem.
Vencer o senso comum que se atem as suas ações reprováveis e restituir a tais
episódios o seu teor, qual seja, indicio de uma existência em desespero
provocada pela violência infringida a ele suscitada pela hostilidade
generalizada e frequente de seu ambiente, em suma, ausência de bem-estar.
Este
discurso segue num tom elogioso ao Padre, sem qualquer gratuidade, pois devotar
a vida a causa publica, embora seja nosso pendor natural e garantia mutua, e
tarefa árdua e um horizonte de expectativas que não admitem falhas, sob pena de
desmoronamento do projeto. Portanto, requer alimenta-lo diariamente, que se
confirma por uma vida dedicada ao seu serviço. Além dele constituir um dos
elementos históricos de Guarabira, pois, suas ações reconduziram o ordenamento daquele
lugar e inexiste possibilidade de dissociar as existências Deodato e
Pe. Geraldo, uma vez que, já perfazem as faces de uma única moeda.
E
chegando ao fim dessa laudação acerca dos frutos de trabalhos alcançados,
acrescer um motivo, a saber, o silencio também e um sentir-se leve e nesta
quietude encontrar o azo da palavra: aquele apelo que somente pode ser escutado
mediante a calmaria, aquele sentido que demanda a vida. Uma experiência bem
expressa neste trecho: “Silencio. Maravilhar-se, refletir e agradecer com confiança,
essa e provavelmente a melhor resposta a vida de Cicero, que se manifesta a
todos nos em seu diário e em seus desenhos”
Será
que Meu Desabafo figurara como mera obra de enfeite numa estante? Será ela
relegada ao esquecimento ou figurara como um ponto de partida para admissão de
erros, omissões e evidenciação de responsáveis? Será que a obra em questão não
e uma proposta a superação de descasos de fatos inspirando sua identificação e
cuidando para combater casos de naturezas similares, e oxalá impedir
semelhantes acontecimentos? Talvez ela possa ser comparada a Helen Keller
(1880-1968), privada da visão e da audição e, mesmo assim, conseguiu, por
intermédio da professora Anne Sullivan (1866-1936), se tornar uma celebre
escritora e eximia conferencista.
Finalmente,
talvez seja preciso retornar ao início, ao thaumazein
(θαυμάζειν), assegurando-o como um
eterno despertar para o mundo, este aí pertinho e circundante a ti, do qual
provem tua nutrição, teu sustento, teu ambiente de vivencia, enfim, tua existência
e, assim, poder ouvir o apelo do outro e se juntar a ele numa consonância, semelhante
a voz de Cicero e a atitude do Pe. Geraldo, num doce e acolhedor “Confie em
mim!”
Cite
SERAFIM, V.F.M.
Da Obra Meu Desabafo - Crítica Literária. Disponível em:<https://zeniste.blogspot.com/2024/03/critica-literaria-da-obra-meu-desabafo.html?m=1>. Acesso em: Dia mês ano.
Nome social
de Vicente Fagner Morais Serafim. Bacharel, licenciado e mestre em Filosofia
pela UFPB, Doutorando em Metafísica (UERJ), Coordenador do Comitê da
Consciência Negra Luíza Mahin de Guarabira (CCN), membro dos NEABI’s da UEPB
Campus III e do IFPB Campus Guarabira e Sacerdote de Candomblé Jêje.