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Comemoração
do Saci-pererê: fortalecimento da brasilidade e combate à colonização cultural
Hùnnó Serafim
A comemoração do dia do Saci-pererê em 31 de outubro
foi uma estratégia encontrada para valorização e fortalecimento do folclore
nacional e é um ato de resistência contra o colonialismo cultural. Pois, ao considerar que a
importação de produtos culturais tem solapado fatos culturais nacionais, assim,
promovendo a perda de identidade cultural, eclipsando a história nacional e provocando
uma extensão colonial de modo sorrateiro, urge pensar sobre as ditas
celebrações culturais importadas, os estrangeirismos.
Até porque, sabe-se que todo povo
necessariamente tem seu folclore que emana de uma dinâmica cultural e, por fim,
passando a compor sua história, sua cosmovisão. Esse processo considera as
dinâmicas sociais e sua relação com a natureza, já que não desvincula-se da
interação homem e ambiente natural. Com efeito, as características geográficas
locais são elementares na origem de todo e qualquer processo cultural. Assim,
são as najas que adornam coroas faraônicas.
O termo comemoração tem uma profundidade,
pois, formou-se a partir de um processo de aglutinação da preposição com, que significa: juntar, estar juntos, ligados, nosso, relação de
pertencimento; e memoração do
vocábulo memória e da desinência de
ato ção, oriundo do termo ação, que,
por sua vez, significa presença. Assim posta etimologicamente, o sentido do
termo comemoração é celebrar aquilo que faz parte da própria memória, i. e., da
própria história.
A troca de manifestações culturais no Brasil
evidencia valores coloniais arraigados na sociedade brasileira de
supervalorizar produções estrangeiras, dentremente as nacionais. Ao que parece,
cada vez mais, é difícil se desvencilhar dessa ideologia colonial cultural.
Basta fazer uma consulta rápida inquirindo alguém sobre o nome de filmes a que
assistiu; é muito provável que ele cite títulos estrangeiros ignorando a
produção nacional ou ao se perguntar se curte filmes nacionais, poderá
expressar absoluto desinteresse. O que soa muito estranho, pois, em termos de
proximidade, os produtos estrangeiros estão mais distantes espacialmente e há
um gasto a mais com licenças, traduções dentre outras formas onerosas, contudo,
nada disso é empecilho para atingir o grande público.
Já a produção cinematográfica nacional, por
exemplo, é, nos mesmos critérios, espacial e culturalmente mais próxima, infelizmente
ainda, é ignorada e, até mesmo desdenhada
o que se pode concluir a partir das informações disponíveis nas páginas do
sítio da ANCINE (Agência Nacional do Cinema).
Por tabela, o mesmo ocorre com as demais expressões culturais no campo das
artes de um modo geral, mencione-se ainda sua ocorrência em muitas expressões
linguísticas. Por isso que, repensar e reconhecer o lugar da comemoração do
Saci-pererê é um exemplo de exercício de valorização da cultura nacional, de
emancipação do pensamento colonial cultural e ato de resistência aos
estrangeirismos.
Pois, há que se saber que, o Saci-pererê tem
uma origem nacional graças à miscigenação entre etnias que constituem a alma do
povo brasileiro. Assim, é uma composição geneticamente mitológica entre o conto
indígena e uma afro-caracterização, além de outras referências culturais que compõem
a cultura nacional. Por um momento, o Saci-pererê já foi bem reconhecido no
imaginário da cultura nacional influenciada pelas obras de Monteiro Lobato cuja
série é denominada Sítio do Picapau
Amarelo
da qual se fez uma versão para TV, dentre outros recursos midiáticos.
Sendo assim, o dia 31 de outubro ao comemorar
o Saci-pererê não só intensifica sua identidade cultural ao agregar mais
elementos a essa representação genuinamente brasileira, como também, resiste à
colonização da mente. Além de garantir nossa emancipação criativa dispensando o
con-sumo de ideias que atestam a incapacidade de criação de sua própria
história ou revela desdém e, na menor das hipóteses, ignorância de sua própria
cultura.
Esse texto não pode ser acusado de bairrismo,
pelo simples fato de que, uma coisa é: a) as instituições mencionarem a
existência de eventos paralelos ao dia de uma celebração nacional, por uma
questão informacional; b) outra coisa, é soterrar uma comemoração mediante
supervalorização de um evento cujas origens, muitas vezes, é ignorada pelos
próprios proponentes importadores.
As questões vão surgindo:1)quando se tem um
pendor para uma cultura externa ao seu país será que isso não atesta um exemplo
de pessoa colonizada (mentalmente)? Se a
pessoa é um disseminador de elementos culturais externos não está sendo um
instrumento de colonização? Por que
optar pela celebração internacional x e excluir a celebração de um evento de
sua própria cultura?
É bem posto um questionamento de alguns
estudantes, que diz: “Você quer entrar na
minha mente?” Essa questão demonstra a postura não passiva, exprime estado
de alerta, o cuidado que eles têm de não terem suas mentes invadidas. Ela
revela que a manipulação das mentes é uma realidade e que há necessidade de um
zelo com o que se con-sume, pois, o termo consumir significa diluir-se em meio a, fazer parte de, tornar-se igual a, pensar
semelhante, em suma é com+sumir=
a desaparecer enquanto singularidade e pertencer a um conjunto. A questão é: pertencer
a qual conjunto? No caso, a qual povo? Por extensão, pululam as questões: quem
sou eu? Onde me formei como sujeito? Com qual povo mantenho existência (traços
culturais; a que cultura pertenço)?
Será que por trás dessas situações não estão
os objetivos intencionais meramente mercadológicos da venda e da troca de
produtos culturais? Já dizia Paulo Freire: “O
discurso da globalização que fala da ética esconde, porém, que a sua ética é a
ética de mercado e não a ética universal do ser humano”,
ou seja, além do valor monetário trata-se de um processo de massificação e de
colonização cultural.
Aos docentes, sobretudo, implica o abandono
da operação de modulação das mentes. Com efeito, seu ofício é libertá-las,
fazê-las pensar sua cultura, sua história. Nunca direcioná-las à subserviência,
pois, isso não é educar, mas catequizar (no sentido jesuíta do termo seiscentista),
colonizar, instrumentalizar, adestrar.
É preciso considerar os mitos, as lendas, em
suma, o folclore de sua própria gente, a fim de que se possa compreender sua
existência como indivíduo e, ao mesmo tempo, como membro de um povo. Pois, a memória deve ser ativa, que significa
não apenas preservar, mas, tomá-la como registro de fatos que devem ser
compreendidos em sua gênese, finalidade e consequências. E de um modo mais
profundo compreender que “a memória é uma
função muito elaborada que atinge grandes categorias psicológicas, como o tempo
e o eu. Ela põe em jogo um conjunto de operações mentais complexas”
que faz coincidir sentir (sensação) e pensar (razão, consciência).
Em conclusão, este artigo discutiu a
necessidade que há em avaliar a finalidade de introdução de celebrações
estrangeiras em âmbito nacional, o que constitui ato evidente de apropriação
cultural. Portanto, este texto é um panfleto de alerta. Citou-se a relação
nacional: público e cinema para ilustrar que a tarefa ainda no Brasil é a
desvinculação das ideologias resquiciosamente coloniais que persistem no
imaginário impedindo a emancipação cultural e a superação de supervalorização
do estrangeirismo.
Vivaxé Saci!
Onde saber mais:
Ø Projeto de Lei que institui 31 de outubro Dia do Saci
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=3F1681CE2E36828DEDFDA88D09D6A591.node2?codteor=301007&filename=Avulso+-PL+2479/2003
Ø Lenda do Saci Pererê: Turma do Folclore
https://www.youtube.com/watch?v=um1WHr1ejow
Ø Música do Saci Pererê: Turma do Folclore
https://www.youtube.com/watch?v=ljTSqTkaseA
Fonte: https://static.ndonline.com.br/2012/10/31-10-2012-09-48-08-ilustra-saci.jpg